Com mais de cem anos de história, a divisão do trabalho odontológico é um processo afeto a princípios distintos, às vezes antagônicos: o profissional (social) e o administrativo (técnico/econômico). As circunstâncias geradas pelo dinamismo histórico desses princípios contendores recursivamente redefinem as possibilidades de sua operação. No Brasil de hoje, o brutal excedente de cirurgiões-dentistas na composição de força de trabalho odontológico tem gerado anomalias no processo de profissionalização da odontologia brasileira; ineficácia e injustiças no processo de racionalização e expansão da divisão de trabalho (trabalho em equipe) no Sistema Único de Saúde, em particular na atenção básica orientada pela Estratégia Saúde da Família; e a perpetuação de disputas interpretativas sobre os instrumentos normativos do ordenamento jurídico, tal como a lei n. 11.889/2008 que regulamenta as profissões de técnico em saúde bucal e de auxiliar em saúde bucal. Tudo isso são elementos cruciais para o futuro da organização de oferta de saúde bucal na atenção básica, bem como a disposição futura da força de trabalho no processo de transição epidemiológica em curso no país, hoje ainda excludente.
O Brasil é um país megamorbidiverso. Pesquisas científicas direcionadas ao desenvolvimento tecnológico são imprescindíveis. Apoiá-las é estratégico. Entretanto, diferentes apoios representam diferentes ganhos, ou podem significar perdas.O Senado brasileiro acredita dar sua contribuição ao avanço das pesquisas clínicas no Brasil, ao encampar proposta de empresários representados pela Aliança Pesquisa Clínica Brasil e pela Interfarma -Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa, expressa no Projeto de Lei (PL) nº 200/2015. Trata-se de uma versão empobrecida das propostas do Food and Drug Administration (FDA, órgão regulador do governo estadunidense), e da indústria global do Norte, não éticas, expressas no Documento das Américas, elaborado em 2005 na IV Conferência Pan-Americana para a harmonização da regulamentação farmacêutica. 1,2,3 O PL propõe fixar em lei modelo forâneo e laissez-fairiano de sistema de revisão ética baseado nas ideias econômicas liberais de menos exigências, mais flexibilidade e menor tramitação.Desde 1988, a juridicidade da revisão ética das pesquisas com seres humanos no Brasil é amparada, no plano constitucional, pelos direitos fundamentais constantes do art. 5 o da Carta Magna, e pela institucionalidade da Saúde; no âmbito legal, pela Lei Orgânica n o 8.142/1990, que dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS); e no infralegal, pelas resoluções do Conselho Nacional de Saúde (CNS) (n o 01/1988, primeira resolução da história do CNS; n o 196/1996, que institui o Sistema CEP-CONEP; n o 466/2012, a qual atualiza a Resolução n o 196; e outras resoluções complementares).Em que pese a existência de um amplo aparato normativo no atual Sistema de proteção ética aos participantes de pesquisas no Brasil, deliberadamente não se lançou mão do recurso de uma lei específica, dada a natureza dinâmica do objeto normatizado: construtos culturais morais. Tal opção cria certa vulnerabilidade política: opositores dos princípios do ordenamento recorrem ocasionalmente ao Parlamento, instância também responsiva às demandas particularistas e fragmentárias, com propostas de leis específicas que, não raro, fazem tábula rasa do Sistema CEP-CONEP e de sua longa história de sucesso.A raiz de toda oposição é de fundamento eminentemente ético: a negação dos princípios da beneficência e autonomia. Beneficência, quanto às questões do placebo e do fornecimento de medicamento pós-estudo; autonomia, quanto à ampliação da condição abusível da relação paciente-profissional e da remuneração de participantes doentes. Para doentes, placebo é controle de experimento com a negação do benefício de tratamento convencionado. O não fornecimento de medicamento pós-estudo é negação à continuidade do benefício do tratamento experimental encerrado ou quando finalizada a participação individual. Remunerar participantes doentes é fazer a relação paciente-profissional ficar incontornavelmente assimétrica e heterônoma, quando mediada pela forma mercadoria.No Parlamento, o debate nunca emerge como dis...
Trabalho teórico de justificação, desenvolvimento e aplicação de um modelo lógico proposto para realizar, formal e sinteticamente, a avaliação econômica do objeto: a institucionalização do ordenamento administrativo federal da saúde bucal no saúde da família; com o objetivo geral de conhecer e validar sua função de utilidade. A hipótese é que: as condições iniciais que esse ordenamento informa não sinalizam as melhores escolhas para a reorganização da assistência básica prestada pela maioria dos municípios orientados pela estratégia da saúde da família - falta racionalidade ao ordenamento. A justificação teórica pressupôs considerações sobre o ordenamento administrativo como instrumento útil à realização dos princípios constitucionais do SUS; remetendo à idéia instrumental de economia de escolhas em seu sentido filosófico de ordem, no plano político do contrato social; bem como em seu sentido técnico mais aplicado de utilidade, no plano da realpolitik das ações da administração pública. Recorreu-se a uma metodologia racional-dedutiva: (i) fazer a descrição fundamental; (ii) investigar a heurística e sintaxe da formalização dos programas possíveis sob tal ordenamento; (iii) explorar, aos limites, os procedimentos de representação de ordem mediados pelas categorias econômico utilitárias de eficácia (potência) e eficiência (rendimento); (iv) fazer julgamentos; (v) proferir prescrições normativas úteis (recomendações). A aplicação do modelo, orientada nos princípios constitucionais de universalidade e eqüidade, pressupôs duplo julgamento: (i) da eficácia do ordenamento para a universalidade ajuizada no valor normativo da igualdade; (ii) da eficácia e eficiência do ordenamento para eqüidade ajuizada no valor normativo da diferença. Eficácia e eficiência consideradas no plano administrativo; e, igualdade e diferença no plano do contrato. Principais resultados: (i) apenas 20,36% dos municípios que aderiram às regras federais têm potência nominal (eficácia) para assegurar acesso universal; (ii) apenas 6,88% apresentam eficácia em condições favorecidas para eficiência; (iii) somente 0,2% apresentam eficácia em condições desfavorecidas para eficiência e justificáveis por razões de justiça. Principal conclusão: formalmente, o ordenamento vigente é inútil em termos racionais e não-razoável em termos de justiça, portanto, nacionalmente inválido para reorientar a assistência básica em saúde bucal na observância dos princípios constitucionais de universalidade e eqüidade. Principal recomendação: na impossibilidade de um arranjo alocativo capaz de reunir simultaneamente virtudes utilitárias e de justiça, há que se adotar duas regras: uma que sinalize eficácia e eficiência ótima para sistemas locais que contam com condições iniciais mais favorecidas; e, outra que sinalize eficácia, eficiência subótima para sistemas em condições menos favorecidas. Ambas estribadas nas razões práticas de utilidade e justiça.
No imediatismo da vida profissional, os desafios da sobrevivência somados à legítima motivação pela realização das ambições individuais e aos inúmeros outros ímpetos que se espraiam na normalidade dos comportamentos diários; tudo isso, às vezes, acaba comprometendo nossos esforços interpretativos e nos fazem deixar de lado justamente os aspectos mais fundamentais de algumas questões sobre as quais nos debruçamos e emitimos algum julgamento.
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