ResumoFruto das experiências desenvolvidas pela Unesco desde 1992 e das proposições estabelecidas na Convenção Europeia da Paisagem, o tema das paisagens culturais coloca-se na atualidade como uma forma inovadora de conceber a proteção e a gestão do patrimônio cultural. Em primeiro lugar porque permite superar a dicotomia até hoje presente na atuação dos órgãos públicos de preservação, no que diz respeito ao tratamento entre o patrimônio material e imaterial, entre o natural e o cultural, entendendo-os como um conjunto no qual os seus diferentes significados se articulam num todo vivo e dinâmico. Por outro lado, a forma como têm sido desenvolvidas as primeiras experiências na esfera pública patrimonial em território nacional mostra outra faceta igualmente interessante na atuação em paisagem cultural: a compreensão de que a proteção e a gestão deste patrimônio devem ser feitas com a participação das populações moradoras, por meio do envolvimento e da valorização dos saberes locais. Este artigo procura refletir sobre a aplicação deste
Na parede cega, abrem-se olhos em forma de ó.Um a um, bloco a bloco, formam aerado, arenoso dominó. Esta tese de doutorado estuda a preservação dos conjuntos residenciais modernos empreendidos entre 1930 e 1964 no Brasil. Tais conjuntos residenciais são exemplares importantes da história da arquitetura moderna brasileira e têm sua salvaguarda seriamente ameaçada. Integrando as agendas da preservação e da habitação social, propomos estudá-los e entendê-los como patrimônio cultural, objetivando definir parâmetros conceituais e traçar estratégias de gestão e de preservação. Pretendemos tomar parte no debate sobre a preservação da arquitetura e do urbanismo modernos a partir do tópico da habitação social, enfrentando as questões da atribuição de valor e da atualidade e obsolescência das propostas do morar moderno. Para tanto, estudamos a historicização e a atribuição de valor à arquitetura moderna, suas relações com a historiografia da arquitetura e a construção de memória da arquitetura moderna no Brasil a partir dos anos 80 e as preservações no exterior e no Brasil, feita pelo Iphan, Inepac e Condephaat. Debatemos a habitação social e patrimônio cultural por meio do estudo dos tombamentos de vilas operárias e conjuntos residenciais, com foco no Conjunto Residencial do Pedregulho, estudado em detalhe na sua trajetória desde construção até os desafios do presente. Compreendeu-se que a "versão canônica" da arquitetura brasileira foi urdida decisivamente por Lucio Costa em "Razões da nova arquitetura" e "Depoimento de um arquiteto carioca" e consolidada por Goodwin, Mindlin e Bruand. Nessas visões, a arquitetura moderna brasileira foi caracterizada por suas inovações na relação com o meio, como a utilização de quebra-sóis (brises e cobogós) e o papel fundamental da arquitetura colonial. Os conjuntos residenciais aparecem em Brazil Builds, mas não investidos de sentido, e vão, progressivamente, desaparecendo na construção da nossa história da arquitetura, até selar-se seu destino com a tese do francês Yves Bruand. Para este, a questão da arquitetura brasileira não era social, nem mesmo econômica. O rápido crescimento econômico fez emergir uma elite que soube tirar partido dos progressos técnicos da construção civil e os interesses públicos ficaram em segundo plano. Neste contexto, seria inútil esperar uma "arquitetura voltada para um planejamento global ou vinculado às grandes realizações sociais". 10 A escolha de Le Corbusier, por parte dos brasileiros, como o grande mestre seria bastante lógica, já que resultante das condicionantes locais de florescimento da arquitetura moderna nacional. As preocupações democráticas de Gropius jamais teriam lugar numa sociedade oligárquica e rural. Do mesmo modo, o refinamento tecnológico de Mies van der Rohe, baseado na mão-de-obra especializada e feita com materiais industrializados, seria impossível num país onde "nenhum desses princípios poderia ser resolvido satisfatoriamente". 11 Para o autor, a crítica de Max Bill seria sem sentido, pois buscava algo na arquitetura brasileira ...
RESUMO Na década de 1980, técnicos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) passaram a utilizar argumentos do campo disciplinar da história para justificar a seleção do patrimônio para além dos cânones da excepcionalidade. Mobilizando autores e conceitos da Escola dos Annales, justificavam tombamentos de conjuntos urbanos cujas características não se enquadravam nas narrativas de identidade nacional via colonial praticadas nas primeiras décadas da Instituição. Laguna/SC, Cuiabá/MS, Morro da Conceição e Praça XV de Novembro no Rio de Janeiro, por exemplo, serão preservados não somente pelo valor histórico das suas edificações, mas também pela sua potencialidade como fonte histórica. Elaboram-se, então, argumentos de preservação de bens imóveis que buscavam driblar os conceitos do aporte legal do Decreto-lei no 25/37, buscando proteger sítios e lugares por seu valor documental. O artigo discute as relações entre escrita da história e preservação do patrimônio cultural, tendo como foco o caso de Laguna/SC. Pretende-se compreender de que maneira a proteção legal foi justificada a partir do inédito entendimento da cidade como documento por meio do estudo do processo de tombamento, seus estudos técnicos e as mobilizações teóricas do campo da história social e de autores como Marc Bloch e Jacques Le Goff.
RESUMO Este artigo tem por objetivo discutir os cursos de pós-graduação em patrimônio realizados na década de 1970, como resultado de políticas educacionais e culturais do Ministério da Educação e Cultura e do Ministério do Planejamento. Em 1974, 1976 e 1978 realizaram-se três cursos, em São Paulo, Pernambuco e Minas Gerais, respectivamente, estruturados como demanda do Ministério da Educação e Cultura e do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) nos Encontros de Governadores de 1970 e 1971. A partir do Programa de Cidades Históricas (PCH), a demanda por profissionais especializados aumentou e o fomento aos cursos tornou-se responsabilidade do Iphan, em conjunto com universidades federais. Organizaram-se os Cursos de Restauração e Conservação de Monumentos e Conjuntos Históricos, os quais foram um importante fórum de debates sobre a prática e a teoria da preservação na década de 1970. Congregando professores e alunos com vivências e práticas diversas, eram ponto de encontro dos especialistas que tiveram nos cursos (aulas expositivas e práticas, viagens e bancas de defesa dos trabalhos finais) espaço para diálogo sobre as muitas práticas de preservação daqueles anos. Por meio de depoimentos orais, fontes primárias (documentos escritos) e bibliografia pertinente, acompanharemos as suas motivações, estruturas, agentes sociais, programas de aulas e debates.
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