Em novembro de 2021, a Organização Mundial da Saúde (OMS) deu início à negociação de uma convenção, acordo ou outro instrumento internacional sobre a resposta às pandemias. Neste ensaio, defendemos e justificamos a tese de que o novo pacto deve ser um tratado de direitos humanos, como condição indispensável para a prevenção de novas pandemias e eficiência da resposta global quando elas ocorrem. Após o breve resgate da origem das negociações, apresentamos os principais conteúdos normativos que correspondem a um enfoque de direitos humanos: a instituição da regra de indissociabilidade entre medidas quarentenárias e de proteção social; e a regulamentação do acesso a tecnologias farmacêuticas. A seguir, em seção dedicada ao tema da efetividade do futuro tratado, classificamos as propostas existentes em ajustes tecnocráticos, como alterações no procedimento de declaração de emergências; mecanismos de transparência e controle, a exemplo da adoção de um mecanismo de Revisão Periódica Universal (RPU), similar ao do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, para monitorar obrigações dos Estados relacionadas à saúde; poderes coercitivos que seriam outorgados à OMS ou outra agência, tais como inspeções nos territórios nacionais realizadas por cientistas independentes; e mecanismos de coordenação política, como a criação de um Conselho Global de Ameaças à Saúde. Concluímos que há risco de adoção de um sistema mais eficiente de vigilância para alertar o mundo desenvolvido sobre ameaças oriundas de países em desenvolvimento, em lugar de um tratado capaz de contribuir para evitar que populações mais vulneráveis continuem sendo devastadas por pandemias cada vez mais frequentes.
The study of global health agenda-setting and issue-prioritization has been one of the key aspects of a critical literature that, in recent years, has aimed to identify the political dimensions of global health governance and to shed light on points of tension, exclusion, and inequality. This essay speaks to this critical global health literature, focusing on the construction of the category of emergencies of international concern. Considering the case of the outbreak of zika and congenital syndrome in Brazil in 2016, it explores the conditions enabling the construction of an emergency. We question the factors and conditions around this public health event that were considered during the decision-making process and that transcended material, more objective data regarding zika’s epidemiology, its morbimortality, or its association with congenital malformations. We conclude that the securitized context and the growing relevance of risk to global health are important conditions for understanding emergency declarations.
Resumo O estudo da definição de agendas e prioridades da saúde global tem sido, nos últimos anos, uma das prioridades de uma literatura crítica que visa identificar as dimensões políticas da governança global em saúde, e que enfatiza os pontos de tensão, exclusão e desigualdade. O presente ensaio se posiciona nesta leitura crítica da saúde global, focando a construção da categoria de emergência de importância internacional. Considerando em específico o caso do surto de zika e de síndromes congênitas no Brasil, em 2016, explora as condições que possibilitam a construção de uma emergência. Questionamos os fatores e condições em torno desse evento de saúde pública que eventualmente foram considerados no processo decisório, e que vão além dos dados materiais mais objetivos relativos à epidemiologia do zika, à sua morbi-mortalidade ou à sua associação com as malformações congênitas. Concluímos que o contexto securitário e a crescente importância do risco na saúde global são condições importantes para entender as declarações de emergência.
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Global e Sustentabilidade para a obtenção do título de Doutor em Ciências Área de concentração: Políticas, sistemas e instituições internacionais de saúde global e ambiente sustentável Orientadora:
Em novembro de 2021, a Organização Mundial da Saúde (OMS) dará início à negociação de uma convenção, acordo ou outro instrumento internacional sobre a resposta às pandemias. Neste ensaio, defendemos e justificamos a tese de que o novo pacto deve ser um tratado de direitos humanos, como condição indispensável para prevenção de novas pandemias e eficiência da resposta global quando elas ocorrem. Após o breve resgate da origem das negociações, apresentamos os principais conteúdos normativos que correspondem a um enfoque de direitos humanos: a instituição da regra de indissociabilidade entre medidas quarentenárias e de proteção social; e a regulamentação do acesso a tecnologias farmacêuticas. A seguir, em seção dedicada ao tema da efetividade do futuro tratado, classificamos as propostas existentes em ajustes tecnocráticos, como alterações no procedimento de declaração de emergências; mecanismos de transparência e controle, a exemplo da adoção de um mecanismo de Revisão Periódica Universal (RPU), similar ao do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, para monitorar obrigações dos Estados relacionadas à saúde; poderes coercitivos que seriam outorgados à OMS ou outra agência, tais como inspeções nos territórios nacionais realizadas por cientistas independentes; e mecanismos de coordenação política, como a criação de um Conselho Global de Ameaças à Saúde. Concluímos que há risco de adoção de um sistema mais eficiente de vigilância para alertar o mundo desenvolvido sobre ameaças oriundas de países em desenvolvimento, em lugar de um tratado capaz de contribuir para evitar que populações mais vulneráveis continuem sendo devastadas por pandemias cada vez mais frequentes.
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