Embora a posição de ‘muito’ (PB) em SVs (sintagmas verbais) seja invariável, há restrições ao licenciamento ‘muito’, ainda pouco descritas na literatura, que levantam uma questão ainda sem resposta: por que motivo sua inserção em diversas sentenças gera agramaticalidade (*‘Finalmente encontrei muito a chave que eu tanto procurava’, *‘O bebê de Maria nasceu muito hoje’, *Ronaldo marcou muito um gol nessa partida’ etc.)? Neste artigo, argumentando que os casos em que ‘muito’ não é licenciado não são passíveis de explicação sintática. Propomos uma condição semântica para o licenciamento de ‘muito’, com base em Doetjes (2008), que trata ‘muito’ como uma expressão do tipo C, que não faz seleção categorial. Defendemos que ‘muito’ faz seleção semântica: seleciona expressões graduáveis (cf. Kennedy & McNally 2005 para very - inglês). Mais especificamente, ‘muito’ seleciona grau não-máximo em uma dimensão licenciada pelo verbo. Mostraremos que sentenças não são bem formadas com ‘muito’ modificador de SV se o predicado verbal não tem graus, e que a interpretação das bem formadas é sempre de grau não-máximo: sentenças com ‘muito’ no SV não podem descrever um episódio único completo, se a dimensão em que ocorre a marcação de grau for a progressão para a culminância. A leitura de iteratividade, típica de ‘muito’ em SV, é uma leitura de continuidade indefinida: não se pode aferir o número máximo de ocorrências daquele evento durante o intervalo temporal considerado, o que equivale a uma soma vaga, não-máxima. Defenderemos que ‘muito’ produz sempre escalas não máximas: em dimensões aspectuais, isso equivale a atelicidade ou a imperfectividade. Tratamos ‘muito’ como uma m-word, consoante a proposta de Rett (2008) para many e much (inglês).