A produção textual na esfera escolar: considerações sobre a “escrita como trabalho”

Abstract

Este artigo se insere no contexto das pesquisas das ciências da linguagem sobre a produção textual e sua relação com a subjetividade/intersubjetividade. Considerando essa problemática, o objetivo é colocar em foco escritos de Fiad, Abaurre e Mayrink-Sabinson, discutindo sua atualização no discurso sobre a produção textual na escola brasileira – é discutida, especificamente, a noção de “escrita como trabalho” e suas relações com a concepção de “estilo” em dois documentos oficiais. O suporte teórico deste texto é a Análise Dialógica do Discurso, que parte de escritos do Círculo de Bakhtin e seus comentadores. Os resultados problematizam como o discurso escolar incorporou a noção de “reescrita/refacção/planejamento” do texto, assumindo a produção textual como um processo; no entanto, produziu-se um apagamento da noção de “estilo” desenvolvida por Possenti, que influenciou, no Brasil, as pesquisas que tomam a escrita como trabalho. Os resultados indiciam que valores ideológicos sobre a escrita que circulam na esfera escolar definem essa atualização das noções em pauta.

Propostas de produção de textos em material didático e a noção de “escrita como trabalho”

“…Partimos de resultados de pesquisa anterior (MENDONÇA, 2019), em que analisamos a atualização de estudos sobre aquisição da escrita em documentos oficiais brasileiros. Esses resultados são apresentados resumidamente, destacando-se o que interessa especificamente a este artigo, na seção a seguir, que antecede a análise de propostas de produção textual escrita da coleção didática selecionada.…”

“…Dessa forma, defendemos aqui que a noção é importante para análises em que se produz cotejo de textos, seja no interior de uma mesma esfera seja entre diferentes campos. Uma reflexão mais aprofundada dessa questão encontra-se em Mendonça (2019).…”

“…Neste artigo, nosso interesse é cotejar discursos sobre a noção de "escrita como trabalho", que remete às práticas de reescrita e/ou refacção e/ou planejamento, em dois "contextos" diferentes: esfera científica e esfera didático-pedagógica, de forma a entender o sentido que se produz num novo tema do discurso. Na seção que se segue, retomamos discussão desenvolvida em Mendonça (2013Mendonça ( , 2015Mendonça ( , 2019, em que cotejamos o discurso científico e o atualizado em documentos oficiais brasileiros, e, na última seção, analisamos propostas de produção textual escrita do material didático selecionado para corpus desta pesquisa.…”

“…Os Parâmetros Curriculares Nacionais direcionados ao Ensino Fundamental I e Ensino Fundamental II, publicados respectivamente em 1997 e 1998, incorporam a proposta de reescrita e planejamento em práticas de escrita escolar, conforme discutimos em Mendonça (2019). O documento enfatiza a relação do escrevente com o processo de produção textual, o que se pode considerar um avanço em relação a concepções anteriores, em que o texto escolar era um produto deslocado de sua situação de interação discursiva.…”

“…No caso dos volumes dirigidos ao Ensino Médio (BRASIL, 2000a(BRASIL, , 2000b, lista-se uma competência que se espera desenvolver no educando, a qual inclui ser protagonista no processo de produção/recepção: esse protagonismo exigiria do escrevente que fizesse escolhas adequadas a seus interlocutores e ao contexto de uso dos gêneros. O discurso sobre a necessidade de planejamento e revisão da escrita também é atualizado em outro documento, duas décadas depois dos PCN, o PNLD 2018: língua portuguesaguia de livros didáticos -Ensino Médio, conforme também apontado em Mendonça (2019). Nos critérios para avaliação das coleções e nas resenhas das coleções aprovadas pelo programa, é atualizado o discurso sobre as etapas da produção textual, contudo não aparece no documento a expressão escrita como trabalho, talvez porque, na esfera didático-pedagógica, esse discurso entre em conflito com o que chamamos de ideologia da inspiração, presente no senso comum sobre a escrita.…”