Análise zooarqueológica do Sambaqui Lagoa dos Freitas, extremo sul de Santa Catarina, Brasil: primeiros resultados e tendências de exploração de ecossistemas litorâneos durante o Holoceno final

Abstract

RESUMO: O sítio Lagoa dos Freitas se caracteriza como um concheiro sobre dunas holocênicas e as datas radiocarbônicas obtidas mostram uma cronologia com dois horizontes distintos de ocupação, o primeiro entre 1.360-1.275 cal. AP e o segundo entre 485-305 cal. AP. Com o objetivo de caracterizar a exploração de recursos animais em cada período de ocupação, este trabalho realizou um estudo zooarqueológico dos conjuntos faunísticos vertebrados de cada horizonte, a saber, 4005 restos para a camada I, mais recente, e 10299 restos para a Camada II, mais antiga, somando um total de 14304 restos analisados. Foram identificadas três classes de vertebrados: peixes, mamíferos e aves. Os peixes identificados são em sua maioria bagres marinhos da família Ariidae, robalos da família Centropomidae e corvinas e papa-terras da família Sciaenidae, sendo a corvina (Micropogonias furnieri) a espécie individualmente mais abundante. Para a fauna terrestre, apenas roedores caviomorfos foram identificados, Hidrochoerus hydrochaeris e Ctenomis minutus. Os resultados deste estudo mostram que houve uma exploração mais intensa de ambientes estuarinos em comparação aos ambientes terrestres nas áreas do entorno do sítio e, em especial, o desenvolvimento de atividades de pesca, sem que diferenças significativas tenham sido encontradas entre os diferentes horizontes de ocupação no que se refere a exploração da fauna vertebrada. Estes resultados são importantes porque pouco se conhece das modalidades de apropriação de recursos animais pelos grupos humanos associados aos sambaquis tardios do litoral catarinense.

Entre Sambaquieiros e Jês: uma abordagem zooarqueológica das ocupações tardias do litoral sul de Santa Catarina

“…Com base no período cronológico dessas ocupações, seguindo o modelo proposto por Angulo et al (1999Angulo et al ( , 2005, foi estimado que o NRM encontrava-se por volta de 0,70 m acima do atual, condição que propiciou um ambiente bastante heterogêneo para essas populações, assim como observado para o Galheta IV e Costão do Ilhote. ambiente aquático (Dias Pavei et al 2019, Cardoso 2018, sendo verificada pela composição estratigráfica de muitos sítios, principalmente litorâneos, que apontam uma história de longa duração de ocupação dessa região (DeBlasis et al 2007).…”

“…Em linhas gerais, como sugerido acima a partir dos modelos de ACR, constatouse uma continuidade nas áreas de captação de recursos entre o período sambaquieiro e as ocupações Jê, principalmente na exploração de animais que atestam para ocorrência em ecossistema lagunar e marinho, com destaque para os peixes, em detrimento de outros animais, como por exemplo, mamíferos. As marcas de alterações térmicas, observadas em todos os contextos, classificadas em diferentes níveis de intensidades (Shipman et al 1984), reforçam a manipulação da carcaça do animal durante o processo de preparo para o consumo, indicando práticas de ação direta no fogo, como constatadas em outros estudos (Dias Pavei et al 2019;Villagran 2008;Cardoso 2018). Ainda no que se refere aos indicadores térmicos, tanto os vestígios de animais vertebrados quanto de invertebrados, demonstraram marcas de alterações.…”

“…Essa diversidade ambiental, ao mesmo tempo, favoreceu a permanência de determinados animais, dentre eles, cervídeos, porcos-do-mato também registrados em outros sítios da região (Cardoso 2018;Dias Pavei et al 2019), que eram atraídos pela disponibilidade de alimentos e água.…”

“…No que tange as análises zooarqueológicas relativas à estimativa de biomassa, em linhas gerais, esses grupos demonstraram alta preferência pelo consumo de peixes, frequentemente encontrados em ambiente estuarino-marinho. Esses animais constituíram-se como o recurso mais importante para à dieta dessas populações, enquanto outros recursos foram explorados de forma menos intensa, entre eles, mamíferos terrestres e marinhos, peixes cartilaginosos, répteis e aves (Nishida 2007;Klokler et al 2010;Cardoso et al 2014;Cardoso 2018;Dias Pavei et al 2019). O Arroio da Cruz I mostrou-se distinto em relação aos demais sítios desse período, tanto pela presença de uma indústria óssea, quanto ter sido utilizado como local de deposição dos mortos.…”