As políticas migratórias brasileiras do século XIX ao século XXI: uma leitura biopolítica do movimento pendular entre democracia e autoritarismo

Abstract

Resumo O artigo tematiza o movimento pendular entre democracia e autoritarismo que permeia historicamente as políticas migratórias brasileiras. Analisa os projetos imigrantistas do século XIX - cujo escopo era o “branqueamento” da população nacional -, passando pelas políticas restritivas adotadas na primeira metade do século XX e que culminaram, na década de 1980, na edição do Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/1980), marcado pela construção da imagem do imigrante como “sujeito de risco” à soberania e à segurança nacional, bem como por uma nítida separação entre os imigrantes considerados “úteis” e “inúteis” de acordo com as exigências do mercado de trabalho. Avalia em que medida essas características autoritárias ainda se fazem presente na contemporaneidade, após a edição da nova Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017), a qual, mesmo apresentando uma ruptura paradigmática orientada à promoção dos Direitos Humanos dos migrantes, ainda encontra óbice à sua efetivação, particularmente em face do seu próprio Decreto regulamentador (Decreto nº 9.199/2017), marcado por inúmeros retrocessos, evidenciando uma retomada da perspectiva autoritária na gestão da imigração com destino ao Brasil, a qual ganha novo impulso com o rompimento do país com o “Pacto Global Para Migração Segura, Ordenada e Regular” da Organização das Nações Unidas. O marco teórico que orienta a construção do artigo é a biopolítica de matriz foucaultiana e agambeniana. O método de pesquisa empregado na investigação é o fenomenológico-hermenêutico.

Potências e limites no quotidiano dos imigrantes refugiados afrodescendentes haitianos/ Powers and limits in the daily life of haitian afro-descendant refugee immigrants

“…Quando se fala das pessoas e famílias imigrantes refugiadas afrodescendentes haitianas, descrevem-se pessoas que imigram em busca de uma vida digna, de direitos humanos, dos quais são privados em seu país de origem, seja devido à falta de segurança pública, à falta de oportunidades, às sequelas presentes no país devido aos terremotos, motivando estas pessoas a idealizarem uma vida melhor e as conduzindo a novos horizontes (1) .…”

“…Tratar sobre o tema de imigração no Brasil ainda é algo delicado, visto que os imigrantes ainda são percebidos como fonte de risco para a população, reforçando a discriminação, o preconceito, além de gerar e promover a manutenção de inúmeros limites no quotidiano dos imigrantes e suas famílias, fortalecendo, assim, a violação dos direitos, da promoção do bem-estar sem distinção de raça, sexo, cor, credo, idade, nacionalidade (1) .…”

“…Esta ausência de empatia por parte da população brasileira para com as famílias de imigrantes refugiadas, muitas vezes, está associada "à categoria raça, como no caso dos haitianos que são, em sua maioria, negros; a condição de imigrantes negros torna-se um desafio a mais para eles no mercado de trabalho" (2:303) . Estas pessoas e famílias de imigrantes refugiadas caracterizam um grupo específico dentro das imigrações internacionais, pois, ao denominá-los refugiados, se leva em consideração que o deslocamento ocorre devido a desastres naturais e ecológicos (1) , além de serem indivíduos obrigados a abandonar seu país de origem em decorrência de guerras, regimes étnicos, religiosos, políticos e outras situações de violência e violação dos direitos humanos (3) .…”

Venezuelanos/as No Brasil: Acolhimento E Controle – Faces Da Política De Proteção Aos Refugiados

“…Com novos contornos, a política migratória brasileira passa a legislar com base na extradição e expulsão de "estrangeiros". A Consequentemente a relação estabelecida pelo revogado Estatuto entre a entrada de imigrantes no país e a "segurança nacional" evidencia a compreensão dos processos migratórios enquanto "ameaça" ou "invasão", conceitos típicos de uma legislação de exceção(WERMUTH, 2020(WERMUTH, , p. 2341. Além disso, previa restrições quanto à concessão dos vistos, e não garantia os direitos fundamentais do migrante -apesar da proteção internacional aos direitos humanos de pessoas migrantes e/ou refugiadas.Importante destacar a análise empreendida porClaro (2020), com relação aos artigos do Estatuto do Estrangeiro, a autora, por meio de uma análise de conteúdo, identifica que diante dos 141 artigos: cinco mencionavam a preocupação com a segurança nacional; a terminologia "interesse nacional" aparece em dez artigos, e no que tange os direitos dos imigrantes eram retratados de forma negativa em seis artigos(CLARO, 2020, p. 46).…”

“…Já a nova legislação (Lei nº 13.445/2017), reconhece diversas categorias migratórias: imigrante, emigrante, residente fronteiriço, visitante, apátrida. Em sintonia com os princípios e diretrizes da legislação internacional de proteção dos direitos humanos de pessoas migrantes e/ou refugiadas, a política migratória brasileira rege-se pelos seguintes princípios: como por exemplo, a desconstrução do imaginário social de vincular a migração como uma ameaça, a nova Lei além de revogar o Estatuto difere em termos de forma e conteúdo(CLARO, 2020;WERMUTH, 2020).Por fim, "velhas" questões ligadas aos processos migratórios se fazem presentes na dicotomia entre a concepção da mobilidade humana como direito ou ameaça. Conforme apontouOliveira (2017), durante a tramitação da nova legislação não faltaram ofensas propagadas pelos grupos políticos que se manifestaram contrários aos fluxos migratórios.…”