Resumo: De monarquista a cidadão boliviano, com ou sem cargos de mando, Sebastián Ramos desempenhou uma trajetória na fronteira entre a Bolívia e o Império do Brasil que nos permite perceber jogos institucionais e atitudes particulares nas margens dos dois países em construção. Por várias vezes, ele foi a pessoa mais adiantada em território boliviano a desafiar o progressivo avanço do Império antes de um tratado oficial de limites. Por outro lado, suas posições na zona fronteiriça serviram de justificativa para o Brasil tomar terras a oeste.Palavras-chave: Fronteira; Bolívia; Império do Brasil. "El defensor de la frontera": the trajectory of Sebastián Ramos and the frontier disputes (Abstract: From a monarchist to a Bolivian citizen, with or without command positions, Sebastián Ramos played a trajectory on the border between Bolivia and the Empire of Brazil that allows us to perceive institutional games and private attitudes on the margins of the two countries under construction. On several occasions he was the most advanced person in Bolivian territory to challenge the progressive advance of the Empire, before an official treaty of limits. On the other hand, their positions in the border zone served as justification for Brazil to take land to the west. N o início dos anos 1870, quando Severiano da Fonseca -um militar geógrafo, enge nheiro, e com conhecimentos de linguística indígena -estava executando o serviço de demarcação da linha de fronteira entre o Império do Brasil e a Bolívia, fez notar à sua comitiva, após trilhar em linha reta a partir da lagoa de Uberaba, seguindo em direção ao norte, que deveriam "salvar" um lugar chamado San Matías (Fonseca, 1986). Ou seja, era para a marcha contorná-lo e depois seguir em nova linha reta, dessa vez em direção ao oeste, conforme rezava o primeiro tratado de limites, comércio e navegação assinado entre os dois países em 1867. Perto dali, continua o relato do demarcador, existia um sítio que antes pertencera a um "tal de Sebastião Ramos", onde morava sua viúva, uma indígena.Este artigo trata justamente da trajetória desse "tal de Sebastião Ramos" na região de fronteira entre a República da Bolívia e o Império do Brasil, principalmente entre as décadas de 1830 e 1860. Ramos foi uma pessoa destacada, por vezes controversa, que desenvolveu o papel de "adelantado de la frontera", 1 vivendo naquela região durante as primeiras décadas da construção dos Estados nacionais na América do Sul, quando influiu e foi influenciado pelas políticas de então entre países vizinhos.Seu nome aparece de maneira secundária e espaçadamente em textos com objetivos diversos. 2 Em um livro sobre os duzentos anos de independência em Santa Cruz de la Sierra, Tonelli (2012, p. 63), ao tratar da província de Chiquitos, assinala em breve passagem que o "coronel Sebastián Ramos" cometeu "um acto de traición à La Patria" ao anexar sua província ao Império do Brasil. De fato, quando era governador de Chiquitos -parte fronteiriça do departamento de Santa Cruz -, ante a iminente queda das forças monarquis...