A justiça perto do povo: reforma e gestão de conflitos de autoria

Abstract

Sobressai ao leitor de imediato a atualidade de A justiça perto do povo: reforma e gestão de conflitos, de Jacqueline Sinhoretto, haja vista as discussões que, principalmente desde o período da redemocratização do país, têm falado a respeito do acesso à justiça, da necessidade de democratização das instituições, isto sem perder de vista as pressões e os compromissos do Estado brasileiro com agências internacionais.

Administração de conflitos entre moradores da periferia paulista: o caso do condomínio Tangará em Guarulhos durante a pandemia de Covid-19

“…Na literatura da antropologia e da sociologia da violência e do conflito, esses desafios podem ser interpretados a partir da noção de incompletude do processo de redemocratização (Adorno;Dias, 2014;Caldeira, 2000;Zaluar, 2007), que implica o não reconhecimento e a reiteração de violações dos direitos desses moradores e enfatiza as dificuldades, por eles vividas, de acesso a outros mecanismos estatais de administração de conflitos, além daqueles mobilizados pela atuação das polícias. Esses desafios também podem ser interpretados a partir na noção de paradoxo da coexistência (ou convivência) de ordens sociais ou lógicas antagônicas, que não necessariamente concorrem entre si por uma hegemonia, mas são acionadas na administração de conflitos conforme o caso e as pessoas envolvidas (Kant de Lima, 2004Lima, , 2009Lima, , 2014; Machado da Silva, 2004Silva, , 2014Sinhoretto, 2010Sinhoretto, , 2011. Optamos, neste artigo, por seguir os caminhos dessa segunda linha de interpretação, uma vez que fornece mais subsídios para refletirmos sobre as tensões e contradições observadas na pesquisa de campo, das quais trataremos nas seções seguintes.…”

“…Nesse sentido, novamente Sinhoretto (2010Sinhoretto ( , 2011, em suas pesquisas sobre os Centros de Integração da Cidadania (CIC), nos fornece indicações de como tem sido essa atuação por meio das polícias, dos operadores do Direito e de propostas de reforma do sistema de justiça, que buscaram torná-lo mais acessível aos moradores das periferias. proposta centrou-se na ampliação da "presença do Estado na periferia, integrando as figuras do sistema penal todas no mesmo espaço -juiz, promotor, delegado, defensor" (Sinhoretto, 2011, p. 51).…”

“…No caso da justiça, o desafio era levar para as periferias outros atores e instituições, para além das polícias, cuja atuação era (e ainda é) marcada pela violência e pela brutalidade (Caldeira, 2000). Os serviços de acesso à justiça do primeiro CIC eram oferecidos principalmente por um juizado especial cível, o que levou os moradores e lideranças a apelidarem-no de "forinho" (Haddad; Sinhoretto; Almeida; Paula, 2006;Sinhoretto, 2011). A instalação desse juizado alinhava-se à pauta nacional de reforma do Judiciário e ampliação do acesso à justiça, que havia levado à publicação da Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (Lei nº 9.099/1995) 11 no ano anterior à criação do CIC Leste, e que seria continuada, na década de 2000, pela criação da Secretaria de Reforma do Judiciário, em 2003, entre outras iniciativas (Sadek, 2004).…”

“…justiça. Tornar a justiça acessível era expandir a administração estatal de conflitos aos pobres, ampliando seu acesso à cidadania (Azevedo, 2001), mas também, em alguns casos, como o do CIC, precarizando esse acesso em rituais pouco formalizados e oferendo uma "justiça pobre para os pobres" (Haddad; Sinhoretto; Almeida; Paula, 2006;Sinhoretto, 2010Sinhoretto, , 2011. No entanto, e apesar das críticas que se possa fazer às iniciativas de ampliação do acesso à justiça em São Paulo e em outras unidades da federação, o fato é que o acesso dos pobres e dos moradores das periferias a uma administração estatal de conflitos para além da atuação (hierárquica e violenta) das polícias é um projeto ainda demasiadamente inacabado na democracia brasileira (ver, por exemplo, a discussão mais recente de Azevedo, 2017).…”

“…As únicas instituições estatais de administração de conflitos a chegar no condomínio foram a Polícia Militar 23 , em incursões pontuais, e a prisão, que compõe simbolicamente o dia a dia dos moradores, pois são, como dito acima, familiares, vizinhos ou conhecidos de pessoas presas. Nesse sentido, é importante retomar como projetos de ampliação do acesso à justiça, que fazem o Estado presente nas periferias de outras formas menos repressivas, como os CICs (Sinhoretto, 2011), foram sendo esvaziados, não constituindo uma alternativa formal de administração de conflitos para os moradores das periferias paulistas, exceto, pelo que observamos, na Justiça do Trabalho.…”