ResumoA desfibrilação é a única terapia conhecida para reverter o quadro de fibrilação ventricular. Entretanto, a estimulação do coração com campos elétricos de grande magnitude durante a desfibrilação pode lesar miócitos cardíacos, e, como conseqüência, a eficiência contrátil do coração ser reduzida. Neste trabalho, estudamos o efeito da estimulação por campo elétrico (E) de alta intensidade sobre miócitos cardíacos isolados de rato. O valor máximo de potencial extracelular gerado por E (V e-max ) foi estimado usando-se um modelo eletromagnético. Os principais resultados foram: a) A aplicação de E de alta intensidade causa aumento sustentado de [Ca 2+ ] citoplasmática ([Ca 2+ ] i ), bem como contratura, que são dependentes de [Ca 2+ ] extracelular; para campos maiores que 50 V/cm, estas respostas são irreversíveis e levam à morte celular; b) retículo sarcoplásmatico, mitocôndrias, trocador Na + -Ca 2+ e canais de Ca 2+ do sarcolema não contribuem de forma significativa para estes efeitos; c) durante aplicação de choques a células despolarizadas com alta [K + ] extracelular, observou-se um incremento de V e-max semelhante ao valor do potencial transmembrana de repouso (V m ~-85 mV), o que indica que V e-max pode ser considerado uma estimativa razoável da máxima variação de V m durante o choque; d) aumento da resistência celular ao efeito letal de E, avaliada pelo valor de E associado a probabilidade de letalidade de 50% (EL50), ocorreu com a aplicação de pulsos bipolares da mesma energia, durante a estimulação de receptores βadrenérgicos, e em miócitos isolados de animais nos quais foi induzido stress por imobilização e choques nas patas repetidos. Conclui-se que: a) O aumento sustentado de [Ca 2+ ] i ocorre provavelmente por influxo do íon através de poros hidrofílicos formados na membrana devido à imposição de E de alta intensidade (eletroporação); b) a superioridade de pulsos desfibrilatórios bipolares, já descrita na literatura, pode dever-se, pelo menos em parte, pelo menor potencial letal desta forma de onda; c) tanto a estimulação β-adrenérgica in vitro, quanto a condição de stress parecem conferir proteção contra o efeito letal de E. Espera-se que estes resultados representem uma contribuição para o desenvolvimento de procedimentos mais seguros, tanto para desfibrilação, quanto para estimulação marca-passo do coração.