Introdução: A negligência é um fenômeno de incidência crescente na enfermagem contemporânea, uma omissão frente ao cuidado bastante naturalizada no cotidiano profissional, mas que constitui infração ética grave, pois viola os preceitos éticos e a própria essência da profissão. Este estudo abordou a negligência cometida pelos profissionais de enfermagem no exercício da função nos processos éticos julgados pelo COREN-SP entre 2001 e 2010 e nas falas dos profissionais condenados nos processos éticos de negligência com criança. Contemplou-se a negligência nas dimensões conceitual, semântica, jurídica e ético-profissional, com o intuito de elucidar seus contornos, distingui-la das infrações éticas análogas imperícia e imprudência e dimensionar a responsabilidade do profissional condenado por conduta negligente. Objetivos: Identificar e classificar os casos de negligência profissional julgados pelo COREN-SP no período de 2001 a 2010; analisar as justificativas presentes nos depoimentos dos profissionais condenados nos processos éticos de negligência com criança e reconstituir o sentido do ato negligente nos depoimentos desses profissionais. Métodos: Delineou-se como percurso metodológico a pesquisa bibliográfica exploratória da literatura especializada, realizada em duas etapas, e a pesquisa documental dos processos éticos nas abordagens quantitativa e qualitativa. A primeira etapa da pesquisa bibliográfica concentrou-se em publicações nacionais que abordaram a negligência sem definição de recorte temporal. Localizou-se um número reduzido de 13 estudos e constatou-se a inexistência de um conceito de negligência no campo da enfermagem, pressuposto do estudo. Na segunda etapa, ampliou-se a revisão das publicações nacionais para 19 estudos e procedeu-se a revisão dos 11 estudos internacionais encontrados, realizada subsequentemente à leitura dos processos. Utilizou-se como referencial teórico-filosófico as concepções de ética, deliberação e responsabilidade de Aristóteles e de Hans Jonas. Resultados: O estudo quantitativo abrangeu 482 processos éticos e forneceu dados para a composição de um primeiro retrato da negligência na enfermagem. Identificou-se 68 processos de negligência e 20 processos de negligência com criança, dos quais selecionou-se sete para o estudo qualitativo, realizado mediante a análise de conteúdo dos depoimentos, na modalidade de análise temática. Tal abordagem propiciou uma definição mais específica de ato negligente e subsidiou a formulação de seis categorias analíticas. Observou-se, nos depoimentos, a mesma naturalização da negligência presenciada no cotidiano profissional, dado que os profissionais não se referiram à conduta negligente como negativa em suas falas mesmo quando esta resultou em consequências fatais, tampouco expressaram qualquer manifestação de pesar pelo efeito lesivo do ato praticado, buscando sempre atenuá-lo por meio de estratégias discursivas. Conclusão: Concluiu-se que o ato negligente comporta sempre um componente de deliberação e de responsabilidade pessoal, o que permitiu d...