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Resumo
Este artigo aborda a relação entre a preocupação da sociedade com as crueldades dispensadas aos animais e a abstinência voluntária do consumo de carne. Por meio de uma avaliação quantitativa de textos científicos e concepções de cidadãos, o estudo traz uma reflexão balizada por diferentes visões a respeito dos fatores promotores do consumo, muitas vezes gerador de vulnerabilidades, que demandam a incorporação de novos paradigmas norteadores de escolhas conscientes da realidade envolvida no
IntroduçãoO desenvolvimento tecnocientífico distanciou sucessivamente a humanidade da natureza. Contudo, após séculos de exploração dos recursos naturais, julgados como infinitos, os seres humanos voltam o seu olhar para o natural na busca por parâmetros, tais como a senciência animal, para balizar suas decisões (Lee et al., 2010; Petherick e Edge, 2010). Desta forma, novos paradigmas têm emergido visando reduzir a discriminação e promover respeito às espécies não humanas.A criação de ferramentas e o domínio do fogo pelo homem primitivo possibilitaram a exploração de diferentes nichos alimentares, culminando na predação de grandes animais (Leal, 1998). A ingestão de carne e a descoberta do cozimento dos alimentos promoveram significativas adaptações morfológicas e mentais, conduzindo à domesticação de plantas e animais e ao subsequente desenvolvimento da agricultura (Wrangham, 2010). A função dos animais ultrapassou a nutrição, sendo transformados em meios de maximizar a força e defesa dos homens e usados na promoção de entretenimento e no desenvolvimento da ciência. Contudo, foi durante o Renascimento que ideias de filósofos como Descartes cultuaram a visão puramente mecânica dos animais, subsidiando as atrocidades cometidas sem o peso de um julgamento moral (Chuahy, 2009).A alimentação é um processo de socialização que consolida e promove tradições, usos, costumes, representações e marca identidade, comportamento e crenças (Fox e Ward, 2008). Estes, somados ao prazer sensorial, constituem-se em estímulos à diversidade de itens nutricionais, ampliando as opções de escolha e a busca por novos sabores, demanda esta explorada pela indústria e disseminada pela mídia.A alimentação está inserida em um contexto moral e ético desde grupos de caçadores-coletores na Era Clássica e preconizada em diferentes religiões, estando a abstinência do consumo de carne de determinados animais ligada às concepções morais de pureza, decoro, moderação, racionalização e intoxicação (Singer e Mason, 2007;Lira, 2013). A inclusão da carne na alimentação já foi considerada capaz de aumentar a libido, agressividade e degradação moral e física, sendo por isso contraindicada para as mulheres, principalmente na Era Vitoriana, com o intuído de manter o domínio de sua natureza biológica emocional pelo esposo, igreja ou sociedade (Thomas,...