Autismo E Maternidade Migrante: Psicopatologizando Relações Em Mobilidade

Abstract

A preocupação deste artigo é fornecer elementos para a reflexão sobre questões impostas a pessoas em mobilidade, por um lado, e, por outro, sobre a perspectiva dos sujeitos destacados por serviços do Estado e da sociedade civil para dar conta desses fluxos em seus locais de chegada, debatendo especificamente os crescentes encaminhamentos de crianças e adolescentes imigrantes, em especial bolivianas, realizados por escolas de São Paulo para Centros de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenis (CAPS-IJ) por suspeita de possuírem alguma das muitas gradações do Transtorno do Espectro Autista. Aponto, então, para três dimensões importantes do fenômeno: primeiro, a patologização de migrantes e suas culturas, interpretada por um viés colonialista e crivado de um determinado racismo que consegue atribuir critérios de determinação de personalidade a culturas inteiras, e cria a ideia de culturas autistas ou autistizantes; segundo, para como a interrupção da mobilidade infantil é um evento crítico nesses contextos; e terceiro, para o caráter supostamente patogênico das relações entre mães e filhas migrantes, que resulta na hiper-responsabilização materna sobre a origem do autismo nas crianças.

Saúde Mental, Migração e Refúgio no Brasil

“…Para Knobloch (2015) é inegável que algumas pessoas precisam do tratamento medicamentoso, mas precisamos escutar o sujeito para além dos seus sintomas. Pereira (2020) realizou uma pesquisa etnográfica buscando compreender o crescente número de encaminhamentos de crianças migrante, especialmente as bolivianas, aos CAPS IJ de São Paulo, devido às queixas relacionadas a diferentes aos sintomas do transtorno do espectro autista, relatados principalmente pelas escolas. O autor discutiu a 'patologização' da experiência de mobilidade internacional e observa que tais encaminhamentos geralmente desconsideram o contexto cultural, reforçando que essa patologização, que não seria só individual, mas de culturas inteiras.…”

A experiência emocional de crianças migrantes e refugiadas acolhidas em São Paulo

“…Sob este aspecto, lembramos que Zimerman (1999) relata que, na relação simbiótica, predomina também na mãe o desejo de que o filho seja algo que ela possui e que pode complementá-la, numa espécie de gravidez eterna, que poderá protegê-la da solidão. Acresce-se a isso o fato de que, em outras pesquisas, tais como de Pereira (2020), também se observou que as crianças migrantes e refugiadas acabam assumindo responsabilidades extras na família.…”