O Estado Novo é um conceito do século XX, mas resultado de outros tantos, anteriores.Seus pressupostos, alguns deles muito antigos, foram ressignificados à luz do nacionalismo, do colonialismo e do imperialismo modernos. Estes podem começar a ser esmiuçados, na medida em que são coetâneos e interdependentes. A invenção do Estado Nacional relaciona-se à industrialização, ao racionalismo e à criação do cidadão. Desde o início, esse movimento foi acompanhado de expansionismo imperialista, fora das fronteiras, e colonialista, em seu interior. O nacionalismo, o colonialismo e o imperialismo estão ligados ab origine, desde sempre.
2O colonialismo anterior ao estado nacional era muito mais antigo e não tinha essas características mencionadas à época da formação dos estados nação modernos. Desde sempre, pelo ius gentium, o direito dos povos, os insubmissos derrotados podiam ser mortos ou escravizados. O historiador latino Tácito (Agrícola 30,4) mencionava a crítica, a esse respeito, sobre os próprios romanos: solitudinem fecerunt et pacem appellaverunt, fizeram um deserto e chamaram isso de paz. Na colonização moderna, territórios ocupados por nativos, ameríndios, africanos ou mesmo asiáticos foram considerados terra nullius, terra de ninguém, cujos habitantes podiam, por isso mesmo, ser mortos, escravizados ou apenas expulsos (Gosden 2004). O próprio termo indígena Os desertos habitados: Estado Novo, colonialismo, memória e patrimônio em per...
Lusotopie, XXI(1) | 2022A essas considerações bem genéricas, há que acrescentar os contextos históricos e culturais específicos. O conceito de fascismo, como termo genérico, pode ser aplicado a diferentes circunstâncias, mas a particularidade do fascismo original italiano não deixa de ser única. Isto é importante ter em mente, quando se trata do termo Estado Novo, usado em apenas dois países: Portugal, primeiro, e Brasil, em seguida. Para além da caracterização genérica de regimes autoritários, defensores das elites e centralizadores, convém esmiuçar as particularidades comuns e diferentes entre si dos Estados Novos. Em comum, claro, a cultura portuguesa, o idioma, mas, aqui, convém ressaltar aspectos sociais de largo prazo, como o patriarcalismo, o clientelismo, a forte hierarquização, o familismo, o rentismo.