ResumoAs relações que se estabelecem entre a população autóctone portuguesa e os imigrantes e seus descendentes são profundamente influenciadas pelas narrativas construídas, e disseminadas ao longo de várias décadas, sobre o passado colonial. Os estereótipos veiculados estão enraizados na memória social dos portugueses, influenciando as relações interculturais. Tendo como objetivo a análise das perceções de jovens sobre as relações interculturais, desenvolvemos grupos focais com estudantes do ensino secundário, tendo procedido à visualização do filme Li Ké Terra (2010) e à posterior discussão em grupo. Neste artigo articulamos os resultados dos grupos focais com a narrativa do filme. Os resultados demonstram a persistência de determinados estereótipos negativos sobre as populações descendentes de imigrantes africanos, indicando que a memória sobre o passado colonial influencia significativamente o imaginário e a identidade social dos jovens, contribuindo ainda para que estes percecionem os jovens negros nascidos em Portugal como imigrantes. Argumentamos que o cinema documental e a literacia fílmica podem ter um papel central na transformação reflexiva e crítica das auto e hetero-representações dos jovens, contribuindo para a descolonização do imaginário nacional.
Palavras-chaveCinema; memória social; (des)colonização; estereótipos; relações interculturais Introdução O imaginário nacional foi construído tendo por base narrativas de um passado 'glorioso', em que a descoberta, a expansão e a colonização desempenharam um papel central. Como observa Eduardo Lourenço (1992), ao olharmos a nossa historiografia revela-se o irrealismo da imagem que os portugueses têm de si mesmos. As narrativas desse passado contribuíram para construir representações hegemónicas (Almeida, 2008;Santos, 2014), afetando as relações interculturais na atualidade.A ênfase em narrativas hegemónicas sobre a história nacional e o passado colonial limita o acesso dos indivíduos a versões alternativas da história, dificultando assim o desenvolvimento de uma perspetiva crítica. No caso do colonialismo, as diferentes versões da história veiculadas influenciam o modo como os indivíduos interpretam o passado, o seu posicionamento presente e as estratégias para o futuro, definindo relações entre e dentro das nações num processo dinâmico (Cabecinhas & Feijó, 2010).Refletir criticamente sobre as imagens do passado colonial difundidas pelos media, em particular pelo cinema português, revela-se central na desconstrução de narrativas hegemónicas sobre a história nacional. Documentários que retratam o quotidiano de imigrantes dos PALOP -Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa e dos seus