IntroduçãoA crescente literatura antropológica sobre objetos materiais pode ser lida como um esforço de repensar, ou mesmo anular, as linhas que separam pessoas e coisas, bem como dicotomias arraigadas no pensamento social ocidental, como material vs. imaterial, animado vs. inanimado, sujeito vs. objeto. As investigações sobre a vida social e a biografia das coisas (Appadurai 1986), os estudos sobre o papel constitutivo de objetos materiais Tal interesse teórico não se circunscreve à antropologia da arte ou aos estudos sobre cultura material, reverberando de modo particularmente sensível em diversos ramos da disciplina. No âmbito da antropologia da religião, a chamada "virada material" assumiu contornos específicos, uma vez que a análise da religião, na tradição intelectual ocidental, tendeu a privilegiar estados mentais e disposições internas (Cf. Asad 1993) em detrimento de suas dimensões materiais -não raro relegadas a um papel auxiliar de expressão de crenças e ideias já dadas (Cf. Hazard 2013). Neste texto não revisarei o amplo espectro de estudos que abordam a religião do ponto de vista de suas formas materiais e de seus usos na prática -tarefa levada a cabo no já mencionado artigo de Hazard. Objetivo reter uma tônica comum a diversas reflexões: o deslocamento de ênfases calcadas no simbolismo e na representação. Ou seja, não se trata de analisar como objetos refletem crenças, símbolos ou representações sobre o mundo social (Cf. Latour 2008), mas, ao contrário, de atentar para as influências e as transformações recíprocas entre o mundo espiritual e o mundano, entre