Cada antropólogo que conta sua história pessoal relembra como veio de um outro campo do saber, de uma outra região de seu país, ou de outro" (Correa, 1988). t alvez por uma ironia, como coloca Corrêa, a antropologia (uma ciência que estuda o humano) tem em muitos países "tradições antropológicas nacionais fundadas por estrangeiros: Franz Boas nos Estados Unidos, Curt Nimuendaju no Brasil, Bronislaw Malinowski na Inglaterra" [1]. Talvez também faça parte desse "estrangeirismo" a formação frente à disciplina da maioria dos antropólogos no Brasil, principalmente antes da criação dos primeiros programas de pós-graduação, ainda na década de 1960, quando se tinha muitos autodidatas vindos das mais diferentes áreas do saber e que dedicavam seu tempo, entre os afazeres de sua profissão, a estudar o "outro". Entre esses autodidatas estão médicos, naturalistas, dentistas, topógrafos, geógrafos, engenheiros e uma ampla gama de profissões. Nesse conjunto de "não-nativos" na antropologia também estão os autores do presente artigo -uma historiadora de formação inicial, especialista em arqueologia e estudante de bioantropologia; e um médico, biólogo e bioantropólogo por escolha, tal como estiveram os pesquisadores Maria Angélica Motta Maués, Anaíza Vergolino, Raymundo Heraldo Maués, Romero Ximenes Pontes, formados em história e professores que construíram parte significativa da história da antropologia na Universidade Federal do Pará (UFPA), assim como Ana Rita Alves, antropóloga cujas memórias serão utilizadas como base neste artigo.O campo da antropologia surgiu no século XVI com a curiosidade de se estudar o homem como uma "máquina" de engrenagens próprias passíveis de serem compreendidas [2]. Esse embrião do que depois viria a ser conhecido como antropologia, sobretudo em seu início, como antropologia física, estava interessado em estudar os aspectos biomecânicos e cognitivos dos seres humanos, a matéria funcionando por si, tendo por epifania a dissecação de cadáveres e a busca por diferenças intrínsecas entre as "raças" que se acreditava existirem então. Com o advento das grandes navegações e os choques culturais consequentes do contato com os grupos nativos dos diversos continentes, a necessidade de explicar e compreender esse "outro" ficou ainda mais forte. No século XVIII, esses estudos começam a tomar corpo de ciência e a ter preocupações cada vez maiores com as explicações sobre as "raças" 3. Adams, C.; Piperata, B. A. "Ecologia humana, saúde e nutrição na Amazônia". In: Vieira, I. C. G.; Toledo, P. M.; Santos Junior, R. A. O. (orgs.). Ambiente e sociedade na Amazônia: uma abordagem interdisciplinar.