A associação entre epilepsia e transtornos psiquiátricos tem sido descrita desde o início da prática da Neurologia e da Psiquiatria, com vários exemplos na literatura. Hipócrates, por volta do ano 400 AC, observou uma dicotomia entre epilepsia e melancolia, propondo que estas entidades estariam ligadas por um provável mecanismo fisiopatológico comum (MAGUIRE, in press). A história da interface entre epilepsia e psiquiatria teve seu início marcado pela associação empírica destas condições com deuses, bruxas, demônios e fenômenos sobrenaturais. Os gregos referiam-se à epilepsia como a “doença sagrada”. Nesta época, Hipócrates supôs que o ataque de fúria que motivou Hércules a matar seus filhos tinha uma origem epiléptica. Os romanos referiam-se à epilepsia como “morbidus lunaticus”, relacionando-a com as diferentes fases da lua. No mundo árabe, a associação entre epilepsia, doença mental e demônios persistiu, e profetas como Maomé e São Paulo, que, dizia-se, periodicamente ouviam vozes e caíam ao solo, supostamente sofriam de epilepsia (REYNOLDS e KINNIER-WILSON, 2008). Nos séculos XIX e início do XX, epilepsia era um diagnóstico comum em asilos de pacientes com doença mental. Os pacientes mais graves eram tratados por psiquiatras, enquanto os menos graves permaneciam na comunidade, onde eram tratados por clínicos gerais ou por neurologistas (NADKARNI et al., 2007). As observações de Emil Kraepelin, na década de 1920, são consideradas a base da classificação diagnóstica psiquiátrica moderna. Kraepelin descreveu precisamente as alterações afetivas dos pacientes com epilepsia antes da era da terapia anticonvulsivante. Episódios disfóricos, caracterizados por irritabilidade, com ou sem ataques de fúria, segundo ele, representavam o transtorno psiquiátrico mais comum da epilepsia. Depressão, ansiedade, cefaleia e insônia frequentemente completavam o quadro clínico, enquanto humor eufórico era menos comum (BLUMER, 2008). Mais recentemente, a introdução de técnicas avançadas de neuroimagem, como a tomografia por emissão de positrons (PET), a ressonância magnética funcional do encéfalo acoplada ao EEG (EEG/RMf), e a espectroscopia, combinadas a modelos animais e testes comportamentais refinados, tornou possível a identificação de mecanismos fisiopatológicos comuns às epilepsias (principalmente a do lobo temporal) e transtornos psiquiátricos, sobretudo a depressão maior (BRAGATTI, 2021).