RESUMO -A obra do romancista russo Fiódor Dostoevsky (1821-1881), além de seu extraordinário valor literário, reveste-se de importância especial para neurologistas e epileptologistas. O escritor, que era portador da enfermidade, transmitiu através de seus textos o universo do epiléptico e a maneira como esse é percebido pela sociedade. Seus livros tiveram grande influência na maneira como a cultura ocidental percebe a doença. O romance "O Idiota" tem como protagonista o Príncipe Liev Nikoláievitch Míchkin, um epiléptico com personalidade marcante. Considerando a proposta feita por Geschwind-Waxman (1975) de síndrome de personalidade interictal na epilepsia do lobo temporal, este artigo pretende discutir as alterações comportamentais no paciente epiléptico a partir de Míchkin, personagem principal de "O Idiota", de Fiódor Dostoevsky.PALAVRAS-CHAVE: epilepsia temporal, Dostoevsky, síndrome de personalidade interictal, síndrome de Geschwind-Waxman.Prince Liev Nikoláievitch Míchkin ("The Idiot", Fiódor Dostoevsky) and the interictal personality syndrome of temporal lobe epilepsy ABSTRACT -Russian romancist Fiódor Dostoevsky's composition, besides its extraordinary literary value, has a special importance for neurologists and epileptologists. The writer, who suffered of epilepsy, transmitted in his texts the epileptic's universe and how the pacient is perceived by the society. His novels had great influence on how epilepsy is perceived by western culture.The romance "The Idiot" has as protagonist Prince Liev Nikoláievitch Míchkin, a epileptic with remarkable personality. Considering the propose made by Geschwind-Waxman (1975) of a interictal personality syndrome in temporal lobe epilepsy, this article intends to discuss the behavioral alterations in epileptic patient, from Míchkin, the main character in Fiódor Dostoevsky's "The Idiot". KEY WORDS: temporal epilepsy, Dostoevsky, interictal personality syndrome, Geschwind-Waxman syndrome.Aparentemente díspares e imiscíveis entre si, arte e ciência compartilham em suas naturezas ampla interface de similaridades: ambas só têm sentido quando situadas dentro de contexto histórico específico; ambas podem abordar o mesmo fenômeno, a mesma verdade, identificando-os, descrevendo-os e interpretando-os, embora de maneira essencialmente distintas. A relação entre arte e ciência pode ser entendida como de complementaridade, e não de simples antagonismo.A obra do romancista russo Fiódor Mikháilovitch Dostoevsky (1821-1881) é emblemática em ilustrar o quanto a arte pode complementar à ciência o nosso entendimento da epilepsia. Os romances do autor, dentre os quais se destacam "Crime e Castigo", "Os Irmãos Karamázovi" e "O Idiota", são marcados pela excelência na descrição psicológica dos personagens, pelo profundo sentimento religioso e pelas reflexões filosóficas. Há, ainda, um outro traço recorrente nos textos do escritor: a epilepsia. O escritor, que sofreu da enfermidade durante várias décadas, traduziu em sua literatura o universo do epiléptico, sua personalidade e a maneira com...