Se a categoria de cultura foi central para a constituição da antropologia, há já alguns anos seus usos e significados multiplicaram-se, ampliaram-se e transformaram-se, avançando muito além de suas fronteiras disciplinares. Em um mundo que muitos definem como multicultural e pós-colonial, os antropólogos dificilmente têm reconhecida a sua autoridade de "reguladores dos usos do termo", e "nativos" dos quatro cantos do planeta apropriam-se da categoria para, em nome do valor de sua própria "cultura", defender seus modos de ser específicos em relação a alteridades humanas e institucionais com diferentes pesos e medidas. Assiste-se, assim, a agenciamentos muitas vezes inusitados, constituindo redes e espaços de compartilhamento com horizontes que ampliam ou fecham, que "paroquializam" ou universalizam. Tanto é assim que um Sahlins "quase" otimista chegou a sugerir que, mesmo que os significados atribuídos à categoria cultura não sejam assemelhados ou até mesmo mutuamente ininteligíveis, a categoria pode, ainda assim, constituir-se como uma "arma" especialmente eficaz de agenciamento de grupos e comunidades em um mundo globalizado (Sahlins 1997).Neste artigo, a metáfora da "cultura como arma" será central. 1 Isto não apenas porque a expressão põe em destaque a recusa de uma definição essencialista -não se trata da busca de uma cultura "original" mais autêntica que as demais -mas também porque implicitamente rejeita uma noção construtivista radical, como quando se insiste que a continuidade cultural se realiza na soma casual de escolhas arbitrárias. Sobretudo na metáfora da "cultura como arma" está em relevo a capacidade de "objetificação" do reconhecimento da cultura, algo que ocorre quando alguém de fora se dispõe a representar o que as comunidades vivem e experimentam. Mais do que isto, temos a continuidade em reverso desse processo, como quando o sujeito "objetivado" se apropria da representação e dos pressupostos do observador, explorando a borda de reconhecimento mútuo a fim de propiciar a emergência de um "terceiro termo" ou algo novo (Sansi 2007). Neste caso,