Entre o abstracionismo pedagógico e os territórios de luta: a base nacional comum curricular e a defesa da escola pública

Abstract

Neste texto, analisamos a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), aprovada em dezembro de 2017 pelo Conselho Nacional de Educação. Argumentamos que o documento pouco reconhece a relação entre escola, espaço e sociedade, tomando as unidades escolares como indiferenciadas, alvo de políticas unitárias, contribuindo para a reprodução das desigualdades educacionais. Apontamos, também, os possíveis impactos da BNCC sobre o processo de precarização do trabalho e da formação docente, com o avanço de uma lógica empresarial, que, centrada na produção de materiais didáticos, difunde a concepção de um professor como mero transmissor de conhecimentos. Além disso, discutimos como o documento difunde uma subjetividade neoliberal, nos termos propostos por Dardot & Laval. Em nossa perspectiva, a resistência a este projeto de currículo que amplia as desigualdades e a precarização da educação pública no Brasil pressupõe reconhecer a escola como território de luta, no qual os currículos são produzidos nas práticas socioespaciais de alunos, professores e demais sujeitos da educação.

A educação musical na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) - ensino médio: teias da política educacional curricular pós-golpe 2016 no Brasil

“…A Base Nacional Comum Curricular, a Reforma do Ensino Médio e o projeto Escola Sem Partido, como medidas que deformam a essência da escola pública, de característica gratuita, com qualidade socialmente referenciada, tomam corpo e se estruturam no Brasil pós-golpe de 2016, a partir do que Girotto (2017) destaca como visão de escola sendo instituição simples, capaz de ser controlada e gerenciada a partir da lógica de gestão centrada nos resultados, e não nos processos. Ainda, na concepção de escola sob as políticas neoliberais na educação, os professores e alunos são considerados indiferentes, objetos de ações pouco compreendidas porque pouco participam dos processos construtivos (Girotto, 2018).…”

“…Na BNCC, não há as palavras racismo, machismo, xenofobia, periferia, contradição (Girotto, 2018) e, acrescento, LGBTfobia 11 . O documento, portanto, ignora o fato de que, nas instituições educativas e fora delas, pessoas são marginalizadas e vítimas de preconceito e violência e, por consequência, abandonam a vida, a escola e/ou têm tolhidas inúmeras oportunidade de vida (FNE, 2017).…”

Vivências e compreensões de professores do ensino fundamental acerca de aspectos políticos que incidem sobre seu trabalho

“…Isso se dá por meio de propostas de currículos, políticas de formação, que atingem a gestão, a organização escolar e o trabalho docente. Desde a inserção das políticas neoliberais no Brasil, nos anos 1990, a lógica da nova gestão pública é transposta para os processos educacionais (Derisso & Duarte, 2017;Fernandes, 2012;Girotto, 2018;Hypolito, 2011;Hypolito, 2010;Lima & Maciel, 2018;Lopes, Camargo & Costa, 2011;Nascimento & Barros, 2018;Ribeiro & Siquelli, 2017;Rossi & Hunger, 2013;Santos & Silva, 2017;Venco & Carneiro, 2018).…”

“…A discussão sobre o papel regulador do Estado dentro do projeto de sociedade neoliberal foi feita por diversos autores, como constatado em pesquisa bibliográfica realizada no processo de levantamento bibliográfico. Os autores denunciam como o Estado efetiva sua função reguladora inserindo a lógica de modelo gerencial na educação, e isso pode se dar por diversos meios, como a propostas de currículos padronizados e as políticas de formação docente, por exemplo (Derisso & Duarte, 2017;Fernandes, 2012;Girotto, 2018;Hypolito, 2010;Hypolito, 2011;Lima & Maciel, 2018;Lopes, Camargo & Costa, 2011;Nascimento & Barros, 2018;Ribeiro & Siquelli, 2017;Rossi & Hunger, 2013;Santos & Silva, 2017;Venco & Carneiro, 2018).…”

“…É interessante perceber que os docentes não ficam estáticos ou indiferentes frente a essa questão, isso é perceptível através das falas a seguir, que demonstram as considerações dos professores a respeito das políticas de padronização e de homogeneização dos conteúdos, especialmente com a BNCC: O autor pontua ainda que para alguns profissionais os currículos padronizados são vistos como facilitadores do processo de ensino, uma vez que os materiais prontos servem para orientar o que deve ser feito em sala de aula, tirando por vezes a função de planejamento de alguns professores (Girotto, 2018), o que se aproxima do relato do professor Júlio, que entende a BNCC como um norte para que a educação caminhe alinhada e um recurso para novos professores. Entretanto, Júlio reforça a importância de ter autonomia e não uma proposta enrijecida.…”