Vinte e um anos depois da sua primeira edição a republicação d'A Musicológica Kamayurá: para uma antropologia da comunicação no Alto Xingu (1999) faz jus à saudação das mênades e bacantes a seu autor, Rafael José de Menezes Bastos, soteropolitano agora também ilhéu, ele mesmo encarnação de Másias ou Sileno, maraka'ùp do aulos, "mestre da música das fl autas", sátiro greco-tropical, sacerdote-mor dos mistérios de Dioniso, desafi ante de Apolo, metáfora de Sócrates; saudação pré-trágica, saudade dos confi ns das terras amazônicas, do povo kamayurá, tupi-guaranis xinguanos, onde "a religião ainda não se perverteu em arte" (Bastos; Bastos, 1995, p. 42) e a palavra ainda não se corrompeu em "lista" grafada (cf. Goody, 1977).Este ensaio pretende comemorar a maioridade de um tal percurso, selecionando do livro alguns temas para aclarar o caminho, já sob alguns luminares dentre a vasta produção que o mesmo autor deu à luz nestes vinte e um anos entre os marcos das suas duas edições: Bastos (1988, 1990, 1995, 1998, 1999) e o já citado Bastos e Bastos (1995).Não será portanto aqui descrito o plano da obra que, por se tratar de dissertação de mestrado no original (Bastos, 1978), já o traz em seu prefácio. A esse respeito bastará dizer que ela, a obra do mestrado, é um prospecto estrutural da obra do doutorado (Bastos, 1990). Ambas apresentam larga ambição teórico-metodológica na introdução, sob a forma de uma longa e funda críti-ca a uma epistemologia inefi caz, objetivando uma gnosiologia 1 que dê conta da pretensa incompatibilidade entre as musicologias e as humanidades no * Doutorando em Antropologia Social. 1 "uso aqui o termo gnosiologia despido de seu compromisso metafísico, nesse sentido, pois, não se opondo, ele, ao de epistemologia, de matriz mais positivista" (p. 22).