A fasciolose hepática é causada por um trematodaFasciola hepatica -que raramente é responsável por doenças em seres humanos, sendo sua infecção acidental. Por outro lado, sabe-se que as zonas de alta prevalência de fasciolose humana não coincidem com aquelas em que tal enfermidade constitui um problema veterinário relevante.Alguns casos esporádicos têm sido relatados na literatura apontando a fasciolose hepática como determinante de obstrução biliar ocasionando icterícia obstrutiva 1-5 . A possibilidade de termos tratado uma paciente portadora de fasciolose hepática com obstrução biliar motivounos ao presente relato.
RELATO DO CASOUma paciente, 53 anos, agricultora, procedente da zona rural do Rio Grande do Sul, procurou o ambulatório de Cirurgia Geral da nossa Instituição com história médica pregressa de colecistectomia por incisão de Kocher há 10 anos, seguida de papilotomia endoscópica três anos após, por suspeita de coledocolitíase (o laudo da colangiopancreatografia trazido pela paciente era dado como vias biliares difusamente dilatadas e cuja exploração não evidenciou presença de cálculos). Presentemente, queixava-se de episódios repetidos de dor no hipocôndrio direito, por vezes associados com náuseas e vômitos, icterí-cia flutuante, colúria e acolia, bem como astenia e tontura. Negava emagrecimento ou outras queixas. Apresentavase anictérica e com mucosas hipocoradas. A paciente trazia consigo exames laboratoriais que demonstravam anemia persistente (hemoglobina de 7,9g/dL), eosinofilia (7,3%) e provas de função hepática dentro dos limites da normalidade. Negava viagens a outros estados do Brasil ou a outros países.A ecografia abdominal demonstrava dilatação da via biliar intra e extra-hepática, ducto colédoco com 14 mm, com conteúdo ecogênico no seu interior compatível com cálculos.A tomografia abdominal evidenciou idêntica dilatação da via biliar intra e extra-hepática, bem como redução brusca do calibre hepatocoledociano junto à inserção do ducto cístico, preenchido por bile aparentemente densa. Além disso, nos segmentos hepáticos sete e oito identificava-se uma área de aspecto infiltrativo, contendo calcificação.Com o diagnóstico de dilatação da via biliar principal e a evidência tomográfica de redução brusca do calibre coledociano, aventamos como hipóteses diagnósticas litíase residual ou primária de colédoco, estenose cicatricial ou ascaridíase. Tendo a paciente já sido submetida a papilotomia endoscópica, optou-se por levá-la à laparotomia por incisão de Kocher. No trans-operatório, a colangiografia evidenciou dilatação das vias biliares, defeitos de enchimento da via biliar principal e ausência de passagem de contraste para o interior do duodeno (Figura 1). À coldecocotomia foi identificada a presença de Fasciola hepatica no seu interior, sendo retiradas 25 unidades deste trematoda por intermédio de coledocoscopia e pinça de preensão (Figura 2). A coledocoscopia evidenciou o epitélio da via biliar com lesões infiltrativas com pontos hemorrágicos. Realizou-se lavagem abundante da via biliar e sua ...