O fogo tem sido considerado um fator-chave para a biodiversidade das savanas tropicais, em termos evolutivos e ecológicos, e por isso precisa ser melhor compreendido e melhor utilizado no manejo das áreas protegidas. Entretanto, por muitas décadas, prevaleceu a busca pela exclusão do fogo das áreas naturais mobilizando elevados investimentos em equipes e equipamentos. Repetidas vezes tal decisão de manejo resultou em grandes incêndios nas savanas, devido ao acúmulo e continuidade de material combustível, junto a elevados impactos sociais, especialmente para os povos e comunidades tradicionais. A constatação da inevitabilidade do fogo em tal contexto levou à aceitação de seu uso como um ‘mal necessário’ em algumas circunstâncias, quase que exclusivamente para controle de combustível e redução de incêndios. Uma terceira abordagem de gestão, emergente, entende o fogo como um fator ‘necessário’ tanto para a biodiversidade como para as pessoas que vivem em ecossistemas que evoluíram com o fogo, sendo que a definição de objetivos e estratégias de manejo deve ser alcançada em ambientes e processos multiatores. Vem sendo chamada de manejo integrado do fogo (MIF) esta abordagem que lida com diferentes expectativas e necessidades, respeitando especificidades locais. No Brasil, a mudança de paradigma da exclusão do fogo à adoção do MIF não deveria ser contada sem a experiência da Estação Ecológica Serra Geral de Tocantins, uma unidade de conservação (UC) de proteção integral criada em 2001 parcialmente sobre território quilombola. Uma década de manejo visando a exclusão do fogo nos mais de 700 mil ha de Cerrado protegidos pela UC levou a área ao topo do ranking de UC mais incendiadas no país, e as comunidades locais se viram ameaçadas em suas formas de vida, tanto pela recorrência de grandes incêndios como pela coibição de suas práticas tradicionais. A negociação de termos de compromisso com a comunidade quilombola envolveu estudos, oficinas, intercâmbios, capacitações e vivências que impulsionaram a transição entre paradigmas de gestão do fogo. Primeiro houve a aceitação do fogo como ferramenta, para confecção de aceiros, e desde 2014 o fogo é manejado sob múltiplas perspectivas, tanto pela equipe da UC como pelos quilombolas, considerando um horizonte comum e dialogado de criação de mosaico de regime de queimas. A premissa, sob investigação científica, é de que nos ambientes evoluídos com o fogo a pirodiversidade é correlacionada à biodiversidade. Grandes incêndios já não mais ocorrem, e percebe-se um ambiente muito mais saudável de diálogo, aprendizagem coletiva e de redução de conflitos. Essas mudanças de manejo foram incorporadas nos instrumentos oficiais de gestão, exigindo debates e aprendizagem em toda a hierarquia institucional. As experiências estão sendo compartilhadas com equipes de outras áreas protegidas em nível nacional e internacional.