IntroduçãoA carne bovina fazia parte da dieta alimentar básica da população em várias cidades e regiões da América Espanhola colonial, como Buenos Aires, México, Panamá, Venezuela e Colômbia. 1 Tratava-se de um produto disponível para todos os setores sociais, devido fundamentalmente a seu fácil acesso, maleabilidade, valor nutritivo e baixo custo. No âmbito do Rio da Prata e da Nova Espanha, as cidades de Buenos Aires e do México apresentavam desde os primeiros anos de consolidação do processo de conquista, um sistema de abastecimento de carne monopolizado, o estanco, estruturado em função da figura do obligado 2 supervisionado pelo Ayuntamiento. 3 Esse sistema operará formalmente até a segunda metade do século XVIII, quando diversos fatores -tais como o crescimento demográfico, a diversificação do consumo, a crescente e sistemática exportação de produtos pecuários, o fortalecimento de pequenos e médios produtores (que reivindicarão seus direitos de participação no mercado), assim como a emergência de novos grupos mercantis (que trarão novas modalidades de inserção no comércio) e, do ponto de vista ideológico, o auge e a difusão das novas ideias ilustradas, com sua ênfase na liberdade de comércio -, colocarão em evidência suas fissuras, produzindo-se uma ruptura definitiva, com a consequente necessidade de flexibilização e modificação dessa forma de abastecimento.Para o caso específico dos mecanismos institucionais de fornecimento de carne à cidade de Buenos Aires colonial, não existem, no âmbito historiográfico, investigações sistemáticas sobre o tema, com a única exceção dos estudos de Hernán Asdrúbal Silva 4 e Juan Carlos Garavaglia. 5 Já o estanco de carne na Cidade do México colonial conta com um corpus historiográfico, baseado, principalmente, nos estudos de Enriqueta Quiroz. 6 No presente trabalho, procuraremos mostrar que o estanco não funcionava, mesmo nos seus primórdios, de maneira totalmente eficiente nem de acordo com o que estava estipulado no regulamento. Na realidade, provocava contínuas resistências que determinaram que, primeiramente de fato e em seguida já formalmente, fosse substituído -desde meados do século XVIII, de forma sistemática na cidade de Buenos Aires e, a partir de 1810, na Cidade do México -pelo sistema de livre concorrência, muito embora ainda estivesse regulado, no que concerne ao preço e à qualidade, pelo Cabildo.A presente análise se realizará através de uma abordagem comparativa do mercado de abastecimento de carne colonial de duas cidades com características próprias, Buenos Aires e México, dando conta de suas continuidades e transformações, em resposta a uma realidade que, de âmbitos distintos e com ritmos diferentes, irá se transformando. Este trabalho pretende, mais precisamente, abordar mais de perto a problemática do mercado local que constituía parte de uma estrutura econômica maior que, sem dúvida, influía e era influenciada por ele, assim como se constituía também em um lugar onde se articulavam os espaços econômicos cidade-campo, com seus diferentes tipos de produ...