As aves de rapina, grupo artificial formado pelas ordens Accipitriformes, Falconiformes, Cathartiformes e Strigiformes, apresentam características morfológicas e comportamentais semelhantes, sendo principalmente predadoras de topo de cadeia alimentar. As aves provenientes de vida livre frequentemente são parasitadas por hemosporídeos, hemoprotozoários da ordem Haemosporida, porém, estudos parasitológicos envolvendo as aves de rapina dos neotrópicos ainda são escassos. Diante disso, o objetivo do presente estudo foi conhecer quais espécies de aves de rapina chegaram em Centros de Triagem de Animais Silvestres (CETAS) do Brasil, além de investigar a diversidade de hemosporídeos que infectam aves de rapina neotropicais, por meio de uma abordagem integrativa que utiliza análises morfológicas, moleculares, ecológicas, filogenéticas e de delimitação computacional de espécies, com vistas à conservação da avifauna brasileira. Durante os anos de 2004 a 2019, os CETAS do Brasil receberam 67 espécies diferentes de aves de rapina, sendo 33 da ordem Accipitriformes, 17 da Strigiformes, 13 da Falconiformes e quatro da Cathartiformes. No banco de dados genéticos MalAvi foram relatadas 265 linhagens do gene mitocondrial cyt b em 16 dessas espécies de aves de rapina, sendo 218 linhagens ocorrendo exclusivamente nas quatro ordens desse grupo, e 170 linhagens exclusivas de uma única dessas ordens de aves de rapina, indicando uma possível especificidade pela ordem aviária parasitada. Além dos dados obtidos por essa análise, foram coletadas amostras sanguíneas de 155 aves de rapina de 23 espécies diferentes que foram recebidas no CETAS Juiz de Fora. As amostras foram submetidas a pesquisa de hemoparasitos por meio da avaliação de esfregaços sanguíneos e nested-PCR para identificação de espécies de hemosporídeos. A prevalência média da infecção foi de 58.7% (Strigiformes - 63.75%; Falconiformes - 60.61%; Cathartiformes - 50%; Accipitriformes - 46.15%), sendo registrada pela primeira vez a infecção das espécies Strix virgata e Bubo virginianus por Plasmodium nucleophilum; de Pulsatrix koeniswaldiana, Asio clamator e Megascops choliba por Haemoproteus macrovacuolatus; e de Athene cunicularia, Glaucidium brasilianum e Pulsatrix koeniswaldiana por Haemoproteus syrnii. Foram obtidas 20 sequências do gene cyt b, sendo oito delas novos depósitos nos bancos de dados genéticos. Não foram encontradas diferenças significativas ou correlação entre a prevalência da infeção com as idades das aves, período do ano (chuva ou seca) e fatores metereológicos (temperatura e precipitação). O presente estudo fornece ainda a caracterização morfológica, morfométrica e molecular de H. syrnii em corujas, e demonstra que as sequências encontradas desse parasito se agrupam em dois clados independentes bem suportados, com uma considerável variação intraespecífica e com pequenas diferenças morfológicas e morfométricas dentro da população estudada, sugerindo a existência de potenciais espécies crípticas. A análise histopatológica de corujas que vieram a óbito no CETAS revelou que os pulmões e o músculo esquelético são locais de estágio exoeritrocítico de H. syrnii. Os algoritmos de delimitação computacional de espécies, ferramenta recente utilizada para a ordem Haemosporida, indicaram haver uma diversidade críptica das espécies dessa ordem ocorrendo nas aves de rapina, e que apesar da necessidade de mais estudos com essas novas ferramentas, já demonstram que se deve ter uma preocupação no manejo e reintrodução das aves infectadas. Estudos relacionados ao parasitismo de aves de rapina por hemosporídeos são imprescindíveis para o desenvolvimento de estratégias de conservação aviária, principalmente sabendo-se que grande parte das aves recebidas nos CETAS são reintroduzidas na natureza. Uma abordagem integrativa, com diferentes metodologias, pode auxiliar na identificação das espécies de hemosporídeos, na compreensão dos seus possíveis efeitos deletérios nas aves de rapina e na tomada de decisão quanto ao manejo de aves cativas.