Neste artigo fazemos uma crônica sobre a descoberta das correntes neutras fracas por dois grupos experimentais independentes. Consideramos também um pouco da história das correntes neutras para contextualizar melhor essa descoberta que foi decisiva para a posterior confirmação do modelo padrão eletrofraco. Esta descoberta deixa clara a dificuldade de considerar os resultados experimentais como sendo completamente independentes da teoria. Palavras-chave: correntes neutras, bósons Z, modelo eletrofraco.In this paper we narrate the discovery of the weak neutral currents by two independent experimental collaborations. We also give a brief review of the history of the neutral currents in order to give a clear description of the context of that discovery which was decisive for a later confirmation of the electroweak standard model. This discovery shows the difficulty for considering the experimental results as being completely independent of the theory. Keywords: neutral currents, Z boson, electroweak model.
IntroduçãoNormalmente, acredita-se que exista uma maneira clara e livre de ambigüidades de diferenciar "fatos observacionais" (ou simplesmente "fatos") por um lado, e hipóteses teóricas por outro. Estasúltimas seriam "especulativas" e podem ser confirmadas ou refutadas, já os "fatos" experimentais são claros, sem ambigüidades e falam por si mesmos. No entanto, essa diferenciação entre hipóteses teóricas e experimentais nem sempreé trivial. Existem situações em que a teoria ajuda a definir o que seriam considerados "fatos". Em outras palavras, fica difícil,às vezes, distinguir se uma hipóteseé "factual" ou teórica. O historiador da ciência Peter Galison coloca a situação assim: nem sempreé fácil saber quando deve ser finalizado um experimento [1,2]. Como exemplos, podemos colocar as observações da violação da paridade nas interações fracas [3, 4] e das correntes neutras fracas. No presente artigo vamos considerar em detalhe apenas o segundo caso.O chamado modelo padrão (MP) das partículas fundamentais e suas interações (a nuclear forte, a nuclear fraca, e a eletromagnética)é a teoria que descreve os fenômenos subnucleares e tem sido amplamente confirmada pelos dados experimentais nasúltimas décadas.Esse modelo e a teoria da relatividade de Einstein constituem dois dos pilares fundamentais da nossa compreensão científica da Natureza. O modelo está baseado em simetrias de gauge ou de calibre locais não Abelianas.O MP tem duas partes, a chamada cromodinâmica quântica (QCD pela sigla em inglês) e a parte eletrofraca que aqui chamamos MPE. Esteúltimo modelo inclui o chamado mecanismo de Higgs ou quebra espontânea de simetria, que tem como conseqüência a existência (ainda não confirmada) de um escalar elementar, o chamado bóson de Higgs. A primeira evidência de que o MPE estava correto foi dada pela observação, por duas equipes de físicos experimentais, das correntes neutras fracas que eram previstas por esse modelo. Essas experiências são um exemplo claro da falsificação de uma teoria. Caso esse tipo de correntes não ti...