No contexto daquela quadra do Grande sertão: veredas, em que é dito que a "vida é sorte perigosa/ passada na obrigação" e que "toda noite é rio-abaixo/ todo dia escuridão", pouco antes dissera Riobaldo que "só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor". Não pude deixar de pensar nesses provérbios do Grande sertão quando me vi na obrigação de escrever estes agradecimentos. A vereda que tive que atravessar para dar cabo desta dissertação dependeu justamente desse "amor" que me une aos outros. Não é derramado amor romântico, mas talvez um amor meio cósmicose me for permitido, em uma dissertação sobre Kant, contar sonhos metafísicos -, que se expressa como aquela philia de Empédocles, que, unindo as coisas elementares, opõe-se ao neikos desagregador. O encontro com o outro, na maioria das vezes um acaso, é amiúde produtivo. O encontro por acaso, a efetivação de um concurso, quer dizer, de caminhos ou cadeias causais que se cruzam, é ensejo para a expressão dessa philia agregadora, cujo resultado é a poíesis, isto é, a produção. Não fosse ter sido aluno de Maurício Cardoso Keinert já no primeiro ano de Filosofia, não teria, muito possivelmente, me interessado por Kant como acabei me interessando. Não fosse Jorge Miklos, que conheci por acaso no Colégio Santa Maria onde eu era aluno bolsista -, não teria me interessado profundamente por filosofia.Não fosse ter nascido na casa onde nasci, sendo filho de quem sou, não teria me interessado pela leitura. Aliás, um agradecimento especial deve ser dirigido àquele que, não sendo afeito à filosofia, mas tendo um bom tino para a música, serve-me de ouvido para todos os textos que escrevo: Arnaldo de Campos Oliveira, meu pai, a quem, finda a leitura, sempre pergunto se o texto é bom de ouvir, quer dizer, se ele o leu bem, mas com os olhos do ouvido, independentemente do absurdo que eu eventualmente tenha escrito.Lembro, inclusive, que foi o professor Oliver Tolle quem me falou, no primeiro ano de filosofia, da importância de ler o texto em voz alta, para captar suas imperfeições, como quando (imaginei) desenhamos sobre o papel vegetal e o colocamos diante da luz.Após o texto ser lido em voz alta, carece, no entanto, de ser lido em silêncio, não mais com os olhos do ouvido, mas com os olhos do espírito, em meditação, que é quando o enviamos a nossos primeiros leitores, de cuja boa vontade tanto abusamos. É aqui que devo agradecer a meus amigos Gabriel Frizzarin Ramalhães de Souza e Robson Carvalho dos Santos, leitores primeiros, sempre rigorosos, pelos quais os absurdos do texto não 4 passaram para o prelo. E quantas vezesme pergunto -, os excertos desta dissertação foram iluminados pelos olhos de Gabriel e de Robson? Aqui me lembro de que Riobaldo, no Grande sertão, diz que amigo "é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado". Pois me desarmo diante desses que, caminhando a meu lado como phíloi moucomo dizem os gregos, herdeiros de Empédocles -, quase como Diadorim (não fosse a antipatia física),...