Se a antropologia, ciência dos sentidos dos lugares e das relações, se colocar de maneira pragmática, na perspectiva dos usos da filosofia, ela autorizar-se-á a tomar para si dois conceitos que vêm da análise foucaultiana, os de biopoder e de heterotopia: sem se sobrepor exatamente, eles caminham lado a lado, se interpelam, e é assim que serão tratados aqui, partindo do ponto de vista da experiência que tiveram os indivíduos que são seu alvo ou objeto. Esses conceitos assim colocados à prova, podem ajudar o antropólogo a construir uma problemática das emergências e das gêneses (mais do que das perdas) de localidades e identidades, do exílio como condição individual e política maior do século XXI, mais do que o desenraizamento. Isso significa, para a antropologia, pensar o presente e o por-vir a partir das situações vividas e observáveis hoje, na contemporaneidade do próprio pesquisador, mais do que a partir de reconstruções identitárias, territoriais, memoriais e outras retóricas inspiradas em que essa contemporaneidade é prolixa. E isso significa também-por que não?-criar um terreno de troca, de diálogo entre antropologia e filosofia. Biopoder, campo e política: uma filosofia sem sujeito O "biopoder" é um poder de vida e de morte; se ele tivesse um horizonte político, seria o totalitarismo, até mesmo a tanatopolítica no sentido em que, para dizer à maneira de Hannah Arendt, "o totalitarismo não tende na direção de um reino despótico sobre os homens, mas para um sistema no qual os homens são supérfluos" (Arendt 1995: 197, Caloz-Tschopp, 2000). Nesse equilíbrio instável entre a vida e a morte em ação, o biopoder designa uma "tecnologia do poder" que supõe uma transparência entre o indivíduo e a "população". Um conjunto de instrumentos se ocupam, controlam e gerem a vida das "populações": vidas silenciosas quan-*texto original: AGIER, Michel « Le biopouvoir à l'épreuve de ses formes sensibles: Brève introduction à un projet d'ethnographie des hétérotopies contemporaines », Chimères n. 74, p. 259-270, 2010. 1 Agradecimentos especiais aos professores Heitor Frúgoli Jr. e Michel Agier pela revisão precisa dessa tradução.