A investigação histórica e a produção historiográfica devem tanto ao passado que estudam como ao presente que as produz. Dentro deste universo, a História da Ciência oferece exemplos valiosos da evolução paralela da ciência nas suas mais diversas dimensões e da leitura e interpretação do seu passado. No caso do estudo das epidemias históricas, a relação do que se sabe numa certa época com o que se escreve sobre as que a antecederam não só é evidente, como não pode ser esquecida quando se faz a história da própria historiografia. Neste breve artigo, proponho uma análise à evolução da historiografia portuguesa sobre epidemias medievais de peste, em particular a Peste Negra, paralela à do conhecimento que se tinha da doença em cada momento, tentando-se determinar a que ritmo os historiadores portugueses absorviam as novidades da ciência do seu tempo e as integravam nas suas próprias análises. Da teoria miasmática à definição da teoria microbiana das doenças, da descoberta da bactéria responsável pela doença (e, pouco depois, da transmissão vetorial), até à confirmação da identidade do agente patogénico em pandemias passadas, todas estas descobertas tiveram um impacto profundo na maneira como as pestes passadas eram estudadas e compreendidas. Cultivando uma relação simbiótica mais do que secular, as Ciências Naturais e da Vida, por um lado, e a História, por outro, seguem estabelecendo pontes que beneficiam ambas e que permitem a produção de conhecimento científico cada vez mais rigoroso, transversal e útil.