IntroduçãoReferindo-se a um concerto de Dmitri Shostakovich interpretado pelo violoncelista Antonio Meneses e pela pianista Celina Szrvinski na capela do palácio Boa Vista, em Campos de Jordão, o crítico musical Arthur Nestrovski lamenta, não sem antes avaliar que era "como se menos que isso nem fosse música", que apenas "cento e poucas pessoas tinham o privilégio de escutar Meneses assim de perto [...] naquele cenário, com as montanhas cobrindo a vista de lado a lado da transparente capela do arquiteto Paulo Mendes da Rocha", e faz um apelo a que os sociólogos brasileiros investiguem esse privilégio que, ao mesmo tempo, corresponde inevitavelmente "à verdade daquela música de câmara, que afinal é para ser ouvida em 'câmara'" (Nestrovski, 2006, p. e2).Se é certo que as práticas culturais que integram a assim chamada cultura erudita evocam, no Brasil, os grupos socialmente privilegiados, toda tentativa de desvincular o valor distintivo de tais expressões artísticas de sua distribuição social está condenada de antemão. Tida, no passado, por instrumento excessivamente nobilitante das elites (Fernandes, 1960), a "grande música" assume, até os dias de hoje, um papel não negligenciável nas estratégias de distinção vigentes nas relações de classe, no mínimo porque quanto mais se avança em direção a esse gênero bastante reconhecido na tradicional hierarquia dos valores culturais maiores as diferenças estatísticas associadas à escolaridade e à classe social 1 .