Dentre todos os temas estudados na história da antropologia, talvez não haja um cuja ubiqüidade seja comparável à da reciprocidade. Mesmo antes do influente artigo de Marcel Mauss (1924), ele já estava presente em diversos textos, livros e pesquisas. Aparece nos estudos que enfocam os mais variados subtemas, tais como parentesco, economia, política e religião. Sua onipresença é tal que gerou, nas últimas décadas, uma intensa discussão acerca de sua real validade e de sua força explicativa. A influên-cia de Mauss extrapolou os domínios da sociologia e da antropologia e atingiu a história, entre outros motivos, pela versatilidade dos estudiosos e pelo grande alcance das obras dos filiados ao Année Sociologique, dos alunos e alunas de Mauss e dos discípulos desses alunos.Nos últimos tempos, a retomada das etnografias concentradas na Melanésia atualizou o debate acerca da reciprocidade, não só localmente, mas também renovando as teorias antropológicas vigentes (p.ex., Strathern 1988; Weiner 1985 e 1992; Gregory 1982). Um destes estudos (Gregory 1982) sustenta que as análises antropológicas sobre a reciprocidade serviram-se dos textos setecentistas e oitocentistas de economia política, tendo desprezado a outra vertente, a economia neoclássica. Para ele, apenas a primeira poderia dar conta dos fatos postos em relevo pelas observações etnográficas que ganharam força a partir do fim do século XIX. Ao referirse às relações estabelecidas nas economias baseadas em clãs por oposição àquelas baseadas em classes, que geram, respectivamente, sistemas econômicos de dons e de mercadorias, sempre seguindo os princípios da economia política e sobretudo os postulados de Marx, Gregory arrola as características das economias do dom: produção de vínculos de dependência entre as partes que transacionam bens, a faceta personalizada das coisas