Na última década do século XX, enquanto a internet se generalizava para usos domésticos e comerciais, Niklas Luhmann (1927-1998) concluía uma das mais abrangentes e originais teorias da sociedade, calcada em homologias entre os sistemas sociais e os sistemas cibernéticos. Direito, política, economia, ciência, arte, educação – cada setor da sociedade seria uma rede autorreferencial de comunicações distinguidas por certo código binário: lícito/ ilícito, governo/ oposição, ter/ não ter, verdade/falsidade, beleza/ feiura, aprovado/ reprovado. O direito da sociedade (1993), A realidade dos meios de comunicação (1994), A sociedade da sociedade (1997) mal testemunharam a massificação da internet. O que dizer então do amplo e intensivo processo de digitalização de tratamentos e pagamentos, processos de ensino-aprendizagem, solução de conflitos e tomada de decisão, operações de produção, comércio e consumo? Inteligência artificial, fake news, big data, privacidade de dados pessoais nas redes e plataformas digitais – em que medida este novo horizonte tecnológico pode se valer das formulações disruptivas da teoria dos sistemas sociais para atualizá-las e assim mobilizá-las para descrever a complexidade dos desafios impostos ao sistema jurídico? Como vem se construindo o direito, em sua função de imunizar a sociedade digital contra os vírus da incerteza radical, da desinformação massiva, da perda de referências de sentido, da desintegração de razões e padrões de avaliação, justificação e crítica? Eis o horizonte teórico e problemático deste livro.