Em finais do século XVIII a Coroa portuguesa implementou um sistema regular de colecta de dados demográficos nos seus domínios ultramarinos. A partir do modelo definido, cada governador deveria enviar anualmente o numeramento da sua jurisdição. O Arquivo Histórico Ultramarino, em Lisboa, conserva mais de um milhar de tabelas estatísticas provenientes desde o Brasil até Macau. Esta documentação abre importantes horizontes para a história demográfica, social e colonial, apesar de relativamente negligenciada por historiadores e demógrafos. A partir destas fontes o projecto estuda a demografia e os processos estatísticos na construção do império português entre 1776 e 1875. Adiante discutimos o contexto desta investigação, com ênfase nas características da informação, variáveis e suas potencialidades, bem como uma agenda de investigação. Imaginar, contar e descrever as populações coloniais portuguesas, 1776-1875 Matos, P.T.
Palavras
Introdução"População e império. A demografia e os usos da estatística no império ultramarino português, 1776-1875" é um projecto de investigação internacional em curso desde 2013.1 Os investigadores começaram recentemente a traçar a história demográfica dos diversos domínios ultramarinos portugueses a partir de dados agregados disponíveis nos numeramentos coloniais. Ao mesmo tempo esta documentação tem sido analisada num contexto mais vasto, tentando-se reconstruir a rede burocrática e o contexto cultural em que tais numeramentos foram produzidos. O suporte empírico reunido pela equipa assenta exclusivamente nos mapas estatísticos da população ordenados pela Coroa.2 O período cronológico inicia-se em 1776, quando se reforça o processo de ocupação do Brasil e se decreta a obrigatoriedade de execução anual dos "mapas" para cada um dos domínios. O âmbito cronológico termina em 1875, data em que se iniciou uma nova fase do colonialismo português, pouco antes de Conferência de Berlim. Existem várias monografias demográficas sobre países europeus e de algumas áreas dos seus antigos impérios coloniais. No entanto, ainda escasseiam as contribuições de conjunto. No caso português, a existência de um significativo corpus de estatísticas da população disponível para o império ultramarino, desde meados do século XVIII, tem sido, geralmente, menosprezada por historiadores e demógrafos. Faltam-nos, ainda, ordens de grandeza sobre os quantitativos populacionais do império, em especial quanto à sua distribuição, etnicidade e condição jurídica. Quantos habitantes computar-se-iam para o império português em 1776 ou em 1850? Quantos escravos seriam recenseados pelas autoridades e qual o seu peso demográfico em cada uma das possessões? Em 1800 existiria mais população de origem europeia a residir em Angola ou em Goa, sede do Estado português da Índia?A presente investigação pretende oferecer à comunidade académica e ao público em geral o primeiro estudo demográfico do império português e, ao mesmo tempo, contribuir para compreender a forma como a estatística da população se converteu num instrumento para a ...