A história da ciência tem sido usada como importante contribuinte das relações de ensino, embasando uma melhor compreensão da atividade científica. Em muitos casos, porém, a descrição equivocada de episódios históricos pode dificultar o entendimento de conceitos e induzir visões distorcidas do que é a ciência e de como ela é feita. Neste trabalho, compilamos uma lista com 24 experimentos históricos encontrados em livros didáticos (LD) de Química voltados ao Ensino Médio e, a partir da análise de originais e da literatura secundária já produzida por historiadores da ciência, explicitamos diferenças entre as descrições de experimentos presentes nos LD e seus respectivos originais históricos. Os casos analisados envolvem a pilha de Daniell e o experimento com a folha de ouro de Rutherford. Comparando as descrições dadas pelos LD com os originais históricos, verificamos diferenças expressivas, tanto em relação às montagens e aos materiais utilizados pelos cientistas quanto na execução dos experimentos e em sua vinculação com proposições teóricas. No caso de Daniell, a separação da pilha em duas semicélulas conectadas por uma ponte salina representa uma distorção do original histórico que o afasta, também, das representações cotidianas de pilhas elétricas e de qualquer aplicação prática do dispositivo. Já no caso da folha de ouro, identificamos que as ilustrações tradicionais deste experimento representam um híbrido de ao menos quatro montagens realizadas pelo grupo de pesquisa de Rutherford. Também notamos que os LD tratam da proposição do modelo atômico como decorrência deste experimento, o que gera uma distorção da cronologia histórica com viés indutivista, uma vez que o modelo teórico de Rutherford foi proposto antes e alguns desses experimentos foram projetados, justamente, como tentativas de verificação do modelo. Apresentamos pontos em que essas distorções podem prejudicar o entendimento dos alunos e de que forma a fidelidade histórica pode ajudar o trabalho de professores em sala de aula.