Medicalização da vida nas práticas vinculadas à estratégia saúde da família

Abstract

A inclusão dos cuidados em Saúde Mental na Atenção Primária tem ocorrido em diversos países, incluindo o Brasil, para suprir a existência de uma lacuna assistencial. A integração dos serviços é apontada como necessária, mas ao mesmo tempo um grande desafio. O objetivo deste estudo foi realizar a análise exploratória das práticas discursivas sobre o uso dos medicamentos psicotrópicos e das abordagens não farmacológicas para superação de eventos negativos da vida. As entrevistas realizadas com médicos que trabalham na saúde da família, sobre a prática clínica nos cuidados primários em saúde mental, compuseram o corpus da pesquisa. Os dados foram tratados a partir dos pressupostos da análise do discurso. As descrições analíticas foram construídas a partir dos enunciados identificados na formação discursiva da medicalização da vida. Os resultados da análise evidenciaram o pluralismo terapêutico dos psicotrópicos e seus efeitos, com o uso menos frequente das abordagens não farmacológicas; a prescrição exclui tramas sociais mais amplas, captura a potência da vida modulando os comportamentos individuais e coletivos, para que a convivência seja assegurada e legitimada, para garantir o pretenso bem comum.

O uso de psicotrópicos na Atenção Primária: a medicalização na Estratégia Saúde da Família no contexto da Pandemia por COVID-19

“…O conceito de medicalização, delimita também os problemas comportamentais, que não eram considerados médicos, mas passaram a ser tratados farmacologicamente. (Filardi, et al, 2021). O medicamento está inserido também como mercadoria simbólica, utilizado como instrumento terapêutico e bem de consumo, sendo uma resposta social relacionada à saúde da comunidade das reações patológicas, principalmente no contexto da pandemia onde houve um afastamento ou até mesmo uma limitação de realizar alguns rituais de acompanhamento e até mesmo de despedida dos familiares, que acentuou o processo de sofrimento com consequências para a saúde mental do indivíduo.…”

“…O medicamento está inserido também como mercadoria simbólica, utilizado como instrumento terapêutico e bem de consumo, sendo uma resposta social relacionada à saúde da comunidade das reações patológicas, principalmente no contexto da pandemia onde houve um afastamento ou até mesmo uma limitação de realizar alguns rituais de acompanhamento e até mesmo de despedida dos familiares, que acentuou o processo de sofrimento com consequências para a saúde mental do indivíduo. (Filardi et al,2021;Giovanella 2021;Alves et al 2021;Meira et al, 2021).…”

Medicalização, saúde mental e biopolítica: uma revisão integrativa

“…A medicalização do cotidiano como um fenômeno social é compreendida como leitura do uso indiscriminado e excessivo de medicamentos. Tal uso também decorre do fato de que a terapêutica mais disponível nos serviços são os psicofármacos a fim de lidar e aliviar os sofrimentos psíquicos que são parte da condição humana 18 . Assim, existe uma busca, por meio desse uso, pelo amortecimento de emoções oriundas de aspectos existenciais 17 .…”

“…Nessa direção, entende-se que o uso indiscriminado e excessivo de psicotrópicos é "ao mesmo tempo, consequência e legitimação da medicalização da vida que tem sua origem no biopoder", ou seja, do exercício do poder imbuindo a gestão das formas do viver 18 . Com a emergência da biopolítica, articulada pelo biopoder, a gestão da vida ganha protagonismo, sendo guiada pela lógica liberal, de uma subjetividade produtiva e racional em que a medicalização se assenta.…”

“…Dessa forma, a saúde passa a ser compreendida como saber e ter condições de experienciar e lidar de maneira supostamente satisfatória com os sofrimentos do viver, produzindo-se corpos com a possibilidade de afetação entorpecida e fragilizado no enfrentamento dos conflitos. Isso converge com a percepção de médicos trabalhadores da Saúde da Família que, ao serem questionados em uma entrevista sobre o manejo do uso de psicotrópicos e/ou terapêuticas não farmacológicas como formas de auxiliar no cuidado aos pacientes que buscam ajuda para lidar com dificuldades cotidianas, relataram a pouca valorização e difícil aceitação das práticas não farmacológicas por parte dos usuários 18 .…”