O testemunho é um gênero narrativo que agrega uma grande variedade de temas de interesse para os estudos da religião e para as ciências sociais de maneira geral. Seus traços formais mais explícitos -como a relação performativa entre a fala na primeira pessoa e a verdade ou o foco experiencial no evento e na transformação -apresentam uma série de ressonâncias com outros domínios da vida moderna, como as cortes de justiça, a mídia, a literatura autobiográfica, e mesmo a autoridade etnográfica (Clifford 2008). O testemunho frequentemente articula a enunciação pública da verdade com um "relato de si" (Butler 2015); logo, não é estranho encontrarmos traços fortes da fala testemunhal nas chamadas políticas do reconhecimento, interessadas em pluralizar regimes sensoriais hegemônicos através de uma inflexão crítica da experiência social pela via da raça, da etnia, do gênero ou da sexualidade. Poderíamos investigar as ressonâncias formais e mesmo fenomenológicas, por exemplo, entre o padrão testemunhal condensado no célebre spiritual norte-americano Amazing Grace -I once was lost, but now I'm found -e o processo secular de autorrealização denominado "sair do armário" (Sedgwick 1990). Tal concepção ampla do testemunho é não somente válida, mas certamente nos levaria a debates produtivos sobre a natureza mais testemunhal do que propriamente confessional da reflexividade contemporânea em geral, ou seja, mais pública e vicária, muitas vezes extensamente mediatizada (Warner 2002), do que interiorizante.