O objetivo deste artigo é caracterizar o personagem chamado por mim de "egressante", em referência a pessoas condenadas à privação de liberdade que se encontram cumprindo benefícios penais em meio aberto. Para tanto, mobilizo um exemplo empírico paradigmático retirado de uma pesquisa sobre as carreiras morais desses atores, desenvolvida por meio da realização de 23 entrevistas com egressantes do sistema penitenciário do Rio de Janeiro, centradas em suas biografias, sobretudo no crime, na prisão e no retorno à sociedade mais ampla. Minha hipótese é que esse personagem tem seus modos de avaliação e julgamento transformados pela experiência de encarceramento, o que conduz a uma revisão identitária no processo de egressão do sistema fundamentada no que venho chamando de "ressaca".
The 'In-Egression': Sociological Notes for the Construction of a Character of the Penal Systemaims to describe the character I call 'egressante' ('inegression'), referring to convicts who are serving the socalled 'criminal benefits' (such as parole) in liberty. For this purpose, I analyze an example from research on their 'moral careers' based on a sample of 23 interviews with in-egressions from Rio de Janeiro's penitentiary system. The interviews focused on these actors' biographies especially on crime life, imprisonment, and re-entry to broader society. My hypothesis is that the in-egression has modes of evaluation and judgment transformed by the experience of incarceration, which leads to an identity reassessment during the process of egression of the system, based on what I've been designating as 'hangover'. Palavras-chave: crime, prisão, moral, ressaca, egressante Keywords: crime, prison, moral, hangover, in-egression este texto, apresento reflexões oriundas de uma pesquisa na qual analisei a carreira moral de pessoas que se encontram em processo de egressão do sistema penitenciário fluminense (PORTO, 2017). Tomo a "carreira moral" nos termos definidos por Goffman (1961) em seu estudo sobre as instituições totais 1 , ou seja, como a "sequência regular de mudanças provocadas no self 2 da pessoa e em seu esquema de imagens para julgar a si mesma e aos outros" (p. 128). Partindo dessa definição, argumentei em trabalho anterior que o que há de moral na carreira moral é a alteração da máquina valorativa/avaliativa dos atores sociais a respeito de si e do mundo, o que gera algum impacto sobre as suas noções de identidade (PORTO, 2019). Isso significa dizer que o ator conformado pela instituição total tem sua própria moralidade revista, passando a valorar e julgar as coisas segundo outra chave.No que concerne ao processo de encarceramento, esse estágio de revisão parece ser estruturado pelo que venho chamando de "ressaca" (PORTO, 2017(PORTO, , 2019(PORTO, , 2021: uma resistência automática, instantânea -e eterna enquanto dure 3 -contra tudo e todos que conduziram -ou que poderiam conduzir novamente -os atores à prisão. A ressaca se apresenta como um reflexo da experiência intramuros, mais especificamente do sofrimento acometido no cárcere, a ...