Resumo O dissenso interno às ciências é importante para mudanças e correções de rumo no desenvolvimento sociotécnico do cuidado à saúde-doença. Este trabalho discute a recomendação do rastreamento do câncer de mama como um caso de dissenso interno à biomedicina e à saúde pública, o qual merece aplicação de prevenção quaternária (P4), ou seja, a ação de proteger pessoas de danos iatrogênicos e da medicalização desnecessária. A partir de uma revisão crítica-narrativa dos principais aspectos envolvidos na polêmica científica sobre esse rastreamento, argumentamos que há evidências crescentes tornando no mínimo duvidoso - senão negativo - o seu balanço benefícios-danos, devido à dimensão dos maiores danos (sobrediagnósticos e sobretratamentos) e à redução dos benefícios estimados até sua nulidade. Tal dissenso tem sido ofuscado por recomendações oficiais, informes tendenciosos, interesses econômicos e corporativos, crenças ilusórias, expectativas fictícias e pelo paradoxo da popularidade. Argumentamos que a P4 nesse caso significa suspender ou inverter a recomendação positiva da mamografia periódica. Isso constitui um grande desafio institucional, social e político no contexto atual de preventivismo e de apelos morais/emocionais associados. Este tema é um exemplo da necessidade de exploração do dissenso interno às ciências, como via de melhoria crítica de práticas biomédicas preventivas disseminadas e redução de iniquidades em saúde.