RESUMOAs crianças e adolescentes infetados pelo vírus da imunodeficiência humana representam um grupo pediátrico com risco acrescido de doença cardiovascular precoce. O próprio vírus, a terapêutica antirretrovírica e os estilos de vida estabelecem um complexo conjunto interatuante de fatores que promove a aterosclerose acelerada. Este processo é provavelmente mediado por dislipidémia, alterações do metabolismo glicídico, inflamação crónica com disfunção endotelial e um estado pro-trombótico. A abordagem clínica desta população para prevenção cardiovascular é baseada sobretudo num tratamento eficaz da infeção, na redução dos fatores de risco modificáveis e na promoção de hábitos saudáveis.
INTRODUÇÃOO processo aterosclerótico inicia-se no feto e progride lentamente ao longo da vida, sendo responsável por cerca de 50% da mortalidade nos países europeus. 1 Na população infetada com vírus da imunodeficiência humana (VIH), a aterosclerose ocorre de uma forma acelerada, podendo aumentar a morbilidade e diminuir a sobrevida deste grupo. De facto, o risco de enfarte agudo do miocárdio é 50% superior nos seropositivos, quando comparados com a população em geral, mesmo após efectuado o ajuste para os outros fatores de risco cardiovasculares contemplados no score de Framingham. 2 A incidência de acidente vascular cerebral também é mais elevada nos doentes infetados, como comprovado por Marcus et al (2014), sobretudo se tiverem uma elevada carga vírica e/ ou uma baixa contagem de células CD4, 3 correspondendo a uma fase avançada da doença.Nas crianças e adolescentes infetados, o leito vascular arterial exibe precocemente alterações estruturais e funcionais próprias de aterosclerose sub-clínica.4-10 Múltiplos fatores parecem convergir para propiciar um meio pró-aterosclerótico no contexto da infeção VIH. Reconhecer esta realidade é indispensável para um correcto acompanhamento destes doentes em idade pediátrica, evitando complicações cardiovasculares futuras.
Estado pró-ateroscleróticoMuita da informação existente sobre o processo aterosclerótico no contexto da infeção VIH provém de estudos efectuados em adultos. No entanto, os dados científicos disponíveis relativos à população pediátrica, aponta para mecanismos pró-ateroscleróticos idênticos, ainda que as manifestações clínicas escasseiem nesta faixa etária.Na população infetada parece haver uma maior prevalência dos fatores de risco cardiovascular 'clássicos' como o tabagismo, 11,12 a hipertensão arterial, a dislipidémia, a insulinorresistência e/ou diabetes. Este predomínio de fatores de risco é só parcialmente justificado pelos estilos de vida e pela genética, desempenhando provavelmente a infeção crónica e a terapêutica antirretroviral uma influência preponderante (Fig. 1). 6,13,14 Em algumas casuísticas de doentes infetados, a hipertensão arterial tem surgido como mais prevalente do que nos grupos controlo, 15-18 relacionando-se com o índice de massa corporal, a idade, o sexo, o perfil lipídico, a distribuição da gordura corporal e a insulinorresistência.18-20 A dura...