Doni (Donizete) era um sujeito feio e baixinho. No rosto, além dos olhos estrábicos, tinha várias cicatrizes, em função dos graves tombos que levou durante suas crises, e uma boca enorme onde os poucos dentes restantes estavam encavalados, careados ou quebrados. Mesmo assim insistia em se manter sempre sorrindo. Apesar dos cabelos despenteados e oleosos, sua vaidade mantinha um pente velho no bolso do paletó cheios de remendos, que, às vezes, pedia para alguém usar nele mesmo.Não articulava bem as poucas palavras que sabia, portanto, somente com um bom tempo de convivência se conseguia entender aqueles grunhidos. Mesmo assim persistia em ser falante e comunicativo com todos que o cercavam. Era portador de um retardo mental moderado, além de uma epilepsia que a medicina não conseguiu controlar. Às vezes, costumava fazer algumas travessuras como cuspir os remédios só pra ver a gente lhe dar bronca. Doni era um brincalhão.Por outro lado, Doni era doce e meigo, tinha um brilho nos olhos que me mostrava sempre uma alegria em viver. O sorriso era sincero, radiante... CONTAGIANTE, então... pra que os dentes?Era determinado... eu diria que até teimoso, portanto, não atendia as recomendações da equipe. Constantemente era pego correndo pela enfermaria brincando com os pacientes de esconde-esconde... de preferência da própria enfermagem na hora dos remédios. Doni era um gozador. Mas era também um doente mental abandonado pela família há 09 anos num manicômio. Tinha crises convulsivas severas, acompanhado de agitação psicomotora e "agressões" aos outros. Óbvio, não era inteligente, não sabia falar direito, não compreendia ordens simples.Doni era um paciente asilado. Ele me acompanhava durante as visitas que fazia à ala dos crônicos no manicômio em Campos de Jordão. Entrava em todos os quartos comigo, falava-me, do seu jeito, como os pacientes passaram a noite, e, me pegando pelo braço dizia a todos entre os grunhidos "ó mó dotô". Ou seja, foi um dos primeiros a me considerar "seu médico", apesar de estar somente no último ano do curso médico. Doni era meu companheiro.Um dia o levaram embora para outra instituição no interior de São Paulo. Acredite... por contenção de despesas. Na época, considerei o fato ridículo e desumano. Tentei mostrar a todos o quanto seria perigosa à transferência, pois significava seu segundo abandono pelos familiares. Doni não suportaria, eu argumentava... confesso que até briguei com meus superiores. Mesmo assim ele foi embora e nunca mais o vi, ou melhor, há anos nos separaram.Naquela noite, deitado em meu quarto, confesso que, me sentindo impotente, chorei pelo Doni e jurei fazer alguma coisa para que outros "Donis" não existissem mais. Não por causa do ser humano que era, pois era uma linda pessoa...e sim por conta das condições em que vivia.Queira Deus que a conclusão desse projeto seja uma forma de cumprir, em parte, essa promessa feita há 26 anos ao meu amigo.
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AGRADECIMENTOSReconhecer e manifestar a gratidão pelas pessoas que me acompanharam nesse processo de doutoramento é uma tarefa ...