IntroduçãoEste texto é resultado da coleta de dados feita para o projeto de pesquisa de pós-doutorado que teve por objetivo o estudo de três comunidades no Brasil e uma no Peru que utilizam a ayahuasca para tratar dependência. 1 Vale dizer que, inicialmente, havia sido feita a opção de colocar no título deste projeto as categorias "dependência química" e "alcoolismo". Contudo, percebi ser esta uma redundância, pois o alcoolismo é uma modalidade de dependência química. 2 Além disso, outras modalidades de dependência que não a química estavam sendo tratadas nos centros visitados. 3 A bebida psicoativa conhecida com vários nomes, entre eles ayahuasca, tem como princípios ativos mais importantes as betacarbolinas, oriundas do cipó Banisteriopsiscaapi, e a dimetiltriptamina (DMT), oriunda das folhas de Psychotriaviridis. Ambas as substâncias atuam no nível de serotonina no cérebro (McKenna 2004, Winkelman 1996.A partir de 1930, o uso da ayahuasca influenciou o surgimento de três sistemas religiosos brasileiros: a Barquinha, o Santo Daime, e a União do Vegetal. 4 A ayahuasca também vem sendo utilizada de diversas outras formas, inclusive terapeuticamente (Labate 2004). Uma das características mais marcantes do efeito do uso desta bebida é a presença de "visões" ou imagens mentais espontâneas, denominadas mirações (ver Mercante 2002Mercante , 2004Mercante , 2006aMercante , 2006bMercante , 2006cMercante , 2010 Shanon2002).Um dos fatos que devem ser levados em consideração sobre o atual trabalho é que as instituições brasileiras estudadas estão em uma situação legal ambígua. A ayahuasca foi regulamentada em 2010 apenas para o uso religioso, desvinculando a prática terapêutica dos efeitos do chá, baseando eventuais curas em "atos de fé" (GMT 2006:10). 5 Assim, o GMT recomendou que o uso terapêutico do chá ficasse em suspenso até que experimentações humanas pudessem ser realizadas para avaliar se este uso é seguro. As instituições pesquisadas alegam só empregá-la em suas práticas religiosas.