Ao longo da história foram vários os momentos que nortearam a criação de princípios éticos para a investigação científica com seres humanos, de forma a combater abusos. Iniciando-se em 1947, o Código de Nuremberga foi desenvolvido após as atrocidades cometidas por médicos nazis durante a Segunda Guerra Mundial e protege a autonomia e o consentimento voluntário da pessoa. A Declaração de Helsínquia, constituída em 1964, foi desenvolvida após a Associação Médica Mundial notar falhas no Código de Nuremberga e estabelece princípios básicos relacionados com a investigação clínica e o cuidado profissional e a investigação clínica não terapêutica. A Declaração acrescenta, entre outros, a introdução do consentimento por outrem, com habilitação legal para autorizar a participação de outra pessoa num processo de investigação científica. Durante as subsequentes revisões desta declaração, já foram adicionados pontos relativos a grupos e/ou indivíduos vulneráveis, comitês de ética, privacidade, confidencialidade, entre outros. Ao observarmos o contexto da deficiência, à documentação ética mencionada, junta-se necessariamente, e desde o ano de 2008, os pressupostos da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da Organização das Nações Unidas (ONU). Em particular, no que se refere à ideia de “desenho universal” que esta postula, enquanto devendo nortear a concetualização dos processos de investigação e de criação de novos produtos ou tecnologias. No entanto, a aplicação destas premissas ao contexto específico das Pessoas com Deficiência Intelectual, em particular, parece ainda embater em visões sociais estigmatizantes, fortemente assentes num modelo médico da deficiência, que tende a descurar a participação das mesmas e o valor do seu contributo para a investigação científica enquanto imperativos éticos. Neste sentido, o presente documento apresenta um modelo conceptual e as propostas de guidelines éticas que dele decorreram para a investigação com Pessoas com Deficiência Intelectual. O modelo conceptual, exposto na parte dois, agrega-se em sete grupos: (1) acessibilidade do processo de investigação, onde se abordam temas como adaptações razoáveis, exequibilidade, diversidade e representatividade, boas práticas, e barreiras; (2) os desequilíbrios de poder, nomeadamente relativos ao poder assimétrico, tokenismo e gatekeeping; (3) vulnerabilidade, enquanto forma de exclusão e de poder e os risco a si associados; (4) autodeterminação relativa à investigação científica, grupos colaborativos e a sessões de consultoria; (5) incapacidade para consentir, especificamente sobre os dilemas éticos, flutuações de capacidade, perceção de risco e avaliação da capacidade para consentir; (6) consentimento informado, em relação à proximidade, adaptações e barreiras; e, por fim, (7) abordagem metodológica, no que concerne aos desafios éticos colocados pela mesma e as oportunidades que dela advêm. Após uma descrição detalhada sobre as temáticas inerentes a cada grupo, na parte três do documento, é possível encontrar, de modo sistematizado, as propostas de guidelines, escritas tendo em vista uma operacionalização facilitada no planeamento de um desenho de investigação. É importante relevar que, como próximos passos, as propostas de guidelines serão convertidas em linguagem acessível, por forma a serem validadas empiricamente junto de Pessoas com Deficiência Intelectual.