Introdução: No Brasil há um aumento da prevalência de doenças crônicas constituindo, atualmente, um problema de saúde pública, pois são uma condição de longa duração e com grande demanda por parte dos serviços de saúde. Dentre essas, encontra-se a doença renal crônica (DRC), com um aumento progressivo do número de pessoas em diálise, além dos altos índices de mortalidade e incapacidades crônicas. A condição de doença crônica traz ao paciente angústia, estresse, medos, ansiedades e sentimentos que para sua elaboração será fundamental o papel da equipe de saúde e do cuidador familiar principal. Percebe-se, portanto, que assim como o paciente, a família é significativamente afetada pela DRC e por seu tratamento, já que esta terá que se adaptar à persistência de um quadro clínico que apresenta instabilidade e incertezas com necessidades de cuidados permanentes ao custo de grande sobrecarga nos mais diversos aspectos de suas vidas. Nesse contexto, em que a família constitui um grupo de risco para o desenvolvimento de sintomas psicológicos bem como diversas enfermidades crônicas, se faz fundamental avaliar o nível de elaboração do processo de adoecimento vivenciado nesse grupo em seus mais variados aspectos para que, então se possa traçar melhores estratégias de intervenção. O objetivo deste estudo foi avaliar a saúde mental de pacientes renais crônicos e de seus cuidadores e sua associação com qualidade de vida, sintomas de ansiedade e depressão, sintomas e níveis de estresse, níveis de fadiga e crenças sobre a morte, além da condição clínica destes pacientes, buscando observar a associação entre as variáveis investigadas no cuidador e no paciente e as variáveis clínicas e laboratoriais do paciente. Pacientes e Métodos: Estudo de coorte prospectivo, em pacientes com DRC em terapia renal substitutiva (Hemodiálise/Diálise Peritoneal) em tratamento no HU/CAS-UFJF no período. Foram convidados todos os pacientes e seus respectivos cuidadores tratados na clínica de diálise do CAS/HU que preenchessem os critérios de inclusão. Critérios de Inclusão: Foram avaliados todos os pacientes com no mínimo seis meses de tratamento hemodialítico e seus cuidadores, de ambos os sexos, maiores de 18 anos, que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Para a seleção dos cuidadores consideramos este como a pessoa nomeada pelo paciente como o responsável pelo cuidado de sua saúde em casa. Variáveis analisadas: idade, sexo, cor, renda, escolaridade, estado civil, ocupação, (de acordo com o IBGE), etiologia da DRC, comorbidades, uso de psicofármacos, Hemograma completo, índice de saturação de transferrina e Ferritina, Cálcio, Fósforo, Fosfatase Alcalina, Hormônio da Paratireóide (PTHi), Creatinina, Uréia, Kt/v. Ainda foram avaliados óbito, depressão, ansiedade, qualidade de vida, nível de estresse e fadiga e crenças sobre a morte. Os dados clínicos e laboratoriais foram retirados dos prontuários. Análise Estatística: Os dados relacionados à avaliação dos questionários foram descritos como média ± desvio padrão, mediana (variação interquartil), percentagem ou frequência conforme a característica deles. Posteriormente separamos em dois grupos aqueles pacientes que ainda estavam em acompanhamento e os que evoluíram para o óbito e realizamos uma comparação entre a avaliação da depressão, qualidade de vida, estresse e fadiga e as variáveis clinicas e laboratoriais dos pacientes no T0 (tempo inicial do estudo). Posteriormente comparamos estas mesmas variáveis entre pacientes no T0 versus pacientes T1, cuidadores T0 versus cuidadores T1 e pacientes versus cuidadores no T1 (segundo momento do estudo – após quatro anos de seguimento). Avaliamos ainda de forma descritiva as perspectivas sobre a morte e as correlacionamos com as variáveis sócio demográficas e de saúde mental. Finalmente realizamos uma análise de sobrevida usando o modelo de regressão de Cox. Foi considerado um intervalo de confiança de 95%, com p<0,05, utilizamos o software estatístico SPSS 17.0. Resultados: Na comparação entre T0 vs T1 entre pacientes, houve diminuição da ansiedade comparando T0 vs T1 (7,42 ± 5,35 vs 5,14 ± 4,38, p=0,02). Em relação ao estresse houve uma tendência à diminuição do estresse total (1,25 ± 1,13 vs 0,75 ± 1,0, p=0,08); essa diminuição foi devido a diminuição dos sintomas psicológicos do estresse (2,38 ± 1,0 vs 0,95 ± 1,0, p=0,001). Na qualidade de vida houve uma tendência à melhora nos aspectos sociais (60,71 ± 32,42 vs 72,32 ± 34,38, p=0,08). Na comparação entre T0 vs T1 entre cuidadores, houve diminuição da ansiedade entre os cuidadores nos dois momentos (8,71 ± 3,84 vs 7,52 ± 4,44, p=0,01). No suporte social emocional, houve uma tendência na melhora (3,0 ± 0,72 vs 3,28 ± 0,83, p=0,08). No estresse total não observamos diferenças, porém com relação aos sintomas físicos do mesmo, observamos uma diminuição (1,90 ± 0,99 vs 1,33 ± 0,91, p=0,05) assim como nos sintomas psicológicos (2,0 ± 0,74 vs 1,23 ± 1,13, p=0,02). Na qualidade de vida houve uma tendência no aumento da vitalidade (44,52 ± 27,29 vs 54,41 ± 18,69, p=0,09). Na avaliação da relação entre as diversas variáveis e as perspectivas sobre a morte, houve associação positiva entre ansiedade e a percepção de morte 7 (morte como fracasso) (r=0,53, p=0,02) e entre depressão e a percepção de morte 1(morte como sofrimento e solidão) (r=0,51 e p=0,03). Não houve correlação da ansiedade e depressão com a percepção de morte entre os pacientes. O estresse apresentou associação positiva em cuidadores com a percepção de morte 6 (morte como coragem) (r=0,52, p=0,03) e a percepção de morte 1 (r=0,48, p=0,05), sem haver correlação no grupo dos pacientes. Já a percepção do suporte social não apresentou correlação com as percepções de morte no grupo dos cuidadores, mas se correlacionou negativamente no grupo dos pacientes com a percepção de morte 1 (r=- 0,71, p=0,006), com a percepção 3 (indiferença frente à morte) (r=-0,60, p=0,02) e com a percepção 7 (r=-0,601, p=0,02) quando relativo ao suporte social prático. Já o suporte social emocional apresentou associação negativa no grupo dos pacientes com a percepção 1 (r=-0,06, p=0,01) e com a percepção 3 (r=-0,56, p=0,03). Já na análise de sobrevida, o modelo ajustado para idade, sexo, causas da DRC e suporte social foi o que apresentou resíduos normais e evidenciou a idade e o suporte social como fatores de risco independentes para a mortalidade. Ou seja, quando idade e sexo foram ajustados para suporte social prático e emocional, houve uma evidente tendência (p=0,06 com IC 0,99-1,23) da idade como fator importante na mortalidade dos pacientes, mostrando que quanto maior a idade, maior a mortalidade. Quando a análise é ajustada para o suporte social o fator idade aparece também como uma tendência (p=0,09 com IC 0,99-1,23) para mortalidade. Quando incluída a variável etiologia da DRC os aspectos de saúde física e mental de qualidade de vida evidenciaram a idade com uma tendência (p=0,06 com IC 0,99-1,23) a ser fator relacionado à sobrevida dos pacientes. Quando a análise é ajustada para o suporte social o fator idade aparece como significante (p=0,02 com IC 1,01-1,32) para mortalidade e o suporte social passa a ter uma tendência direta na relação com a mortalidade (p=0,09 com IC1,01-1,32). Conclusão: A DRC e as modalidades de tratamento dialítico impactam em diversos aspectos da saúde mental tanto do paciente quanto de seu cuidador familiar. Pacientes e cuidadores apresentam níveis semelhantes de saúde mental geral e o suporte social recebido pelo paciente está associado com a sobrevida do mesmo. Considerando paciente e cuidador familiar uma díade indissociável nos cuidados em saúde, é evidente a necessidade de incluir a assistência a saúde mental para ambos como rotina dos serviços em nefrologia.