Abstract. Research studies that investigate the differences between "female" and "male" brain implicitly try to naturalize these categories that not only have biological components but also social and cultural components. It has been shown that scientific journals and media have a tendency to report more frequently those studies that confirm the binary interpretation of sex/gender as something dimorphic, fixed, and static. Nonetheless, when evidences are considered altogether, several inconsistencies are revealed and no major differences between the sexes/genders remained. Hence, the public debate should question those categories that we assume as natural in order to avoid essentialist and deterministic positions.Keywords. Sex; gender; brain; binary model; media.*Contato: olgars@neuro.ufrn.br
IntroduçãoA presença de informações neurocientíficas nos meios de comunicação aumentou enormemente na última década. Uma análise de Connor et al (2012) mostra que de 2000 a 2010 dobrou o número de artigos sobre temas de neurociên-cia na imprensa. Os autores identificaram três eixos temáti-cos principais: o cérebro como um capital para ser otimizado e / ou explorado, o cérebro como um indício de diferença para validar categorias impostas sobre as pessoas, e o cérebro como uma prova biológica para validar algum fenômeno ou crença. No presente artigo, pretende-se particularmente analisar uma situação em que a neurociência é utilizada como "indício de diferença" para validar que existem diferenças essenciais ou naturais entre homens e mulheres. Se é certo que exista um dimorfismo sexual associado à reprodução, é inválido inferir que esse dimorfismo desemboque -de forma nítida -na diferenciação entre um cérebro "masculino" e um "feminino", da qual surjam características dicotômicas em termos de personalidade, cognição, emoção e comportamento. Como veremos adiante, não se pode responsabilizar apenas a mídia por querer validar este "indício de diferença"; a própria ciência, ao formular suas hipóteses, projetar os experimentos e interpretar os resultados, contribui para essa validação. Assim, uma das premissas deste ensaio é que os cientistas não obtêm "verdades objetivas" e livres de vieses quando relatam os resultados de suas pesquisas. Pelo contrá-rio, estas "verdades" se inferem de interpretações que podem ser influenciadas pelo entorno social e cultural -por mais que estejam baseadas em resultados da experimentação. Desta maneira, o fluxo de informações entre cientistas e sociedade não ocorre de forma unidirecional, mas sim bidirecional. Consequentemente, para entender como a mídia transmite os conteúdos científicos à sociedade, também devemos analisar como as crenças e valores da sociedade estão entrelaçadas com o trabalho científico.No nosso caso particular, seria simplista nos apoiarmos apenas na análise retórica do conteúdo nos meios de comunicação, uma vez que não se pretende sugerir que estes sejam a única fonte incitadora deste indício de diferença entre homens e mulheres. Pelo contrário, nas ciências naturais e comport...