Combinando contestação pública com participação política, a democracia é igualmente dependente de um ambiente de tolerância política. Uma democracia de qualidade não poderia existir em um ambiente marcado por forte intolerância, no qual as pessoas não têm oportunidade de expor as suas opiniões e debater suas ideais. Essa condicionalidade impõe dificuldades para o processo de aprimoramento da democracia brasileira, especialmente considerando os conturbados últimos anos. A atual crise política, iniciada com os protestos que culminaram com o impeachment da Presidente Dilma Rousseff e ainda sem data para terminar, tem sido marcada por forte contenciosidade e manifestações de intolerância das diferentes partes envolvidas na disputa. Diante desse cenário, este artigo apresenta um quadro da tolerância política no Brasil recente. Utilizando a série histórica de dados de opinião pública do Latin American Public Opinion Project (LAPOP), analisamos a evolução de diferentes indicadores de atitudes politicamente tolerantes e, para além desses contornos gerais, exploramos possíveis condicionantes sociodemográficos, atitudinais e comportamentais. Os dados indicam que, em todos indicadores, a opinião dos brasileiros tende a ser majoritariamente tolerante para o conjunto das medidas adotadas, verificando-se, porém, um declínio em todas elas quando observada a pesquisa de 2014. Quanto aos determinantes da tolerância, foram encontradas evidências de que tais atitudes estão relacionadas com maiores níveis de mobilização cognitiva dos eleitores.Palavras-chave: Tolerância política. Brasil. Comportamento político.
INTRODUÇÃOComo é amplamente conhecido nacional e internacionalmente, os anos de 2015 e 2016 foram bastante tumultuados no cenário político brasileiro. Manifestações e protestos levaram milhares de pessoas às ruas, alguns indignados com a corrupção política e pedindo a saída da presidente Dilma Rousseff, e outros defendendo a continuidade do governo e o respeito ao resultado das últimas eleições. Nesses eventos coletivos, eram comuns manifestações verbais, cartazes e faixas com conteúdos que sugerem padrões de intolerância política. Em alguns casos, felizmente esporádicos, essa rejeição se converteu em violência física, o que levou inclusive à construção, pela Secretaria de Segurança e Paz Social do Distrito Federal, de um muro de fer-ro com um quilômetro de extensão ao longo do gramado da Esplanada dos Ministérios em frente ao Congresso Nacional, separando grupos favoráveis e contrários ao governo no momento em que ocorreram as votações na Câmara e no Senado sobre a admissibilidade do processo de impeachment da presidente, em Abril de 2016. Se, nas ruas, episódios de intolerância política foram registrados, o ambiente virtual proporcionado pelas redes sociais, provavelmente em razão do anonimato, potencializou ainda mais as atitudes de negação da pluralidade de ideias e projetos políticos. Após o afastamento da presidente Dilma Rousseff e o início do governo interino de Michel Temer, o quadro permanece inalterado, e os episód...