INTRODUÇÃOOs derivados da planta cannabis sativa são as substâncias psicoativas recreativas ilícitas de maior consumo mundial. 1,2 Dos mais de 100 canabinoides já descritos, os fitocanabinoides delta-9-tetrahidrocanabinol (Δ 9 -THC; principal constituinte psicoativo), Δ 8 -THC (quase tão ativo como o anterior, mas em menores concentrações), canabinol (pouco ativo, mas em elevadas concentrações) e o canabidiol (não psicoativo mas presente em elevadas concentrações na planta), são aqueles que melhor se conhecem do ponto de vista científico. 3,4 Destes, o Δ 9 -THC e o canabidiol têm eficácia farmacológica comprovada e as suas concentrações na planta são diferentes entre o caule, folhas ou flores e altamente dependentes do teor de humidade, luz e da tipologia do solo. 3,4 O conhecimento sobre o funcionamento do sistema dos endocanabinoides endógenos em vários processos fisiológicos (e.g., memória, ansiedade, imunidade, dor, regulação do apetite, etc.) mostra como estes podem ter um efeito terapêutico em algumas patologias e também que a sua ausência endógena poderá explicar a patofisiologia de algumas doenças prevalentes. 5 A natureza ensina-nos, pois, se não fossem importantes, não teríamos recetores -muito provavelmente endógenos -para os canabinoides nomeadamente em neurónios (recetores CB 1 ) e em várias células do sistema imunológico (recetores CB 2 ). 6 Numa pesquisa em bases de dados científicas na área da medicina (credíveis e alvo de processo de revisão pelos parceiros científicos) utilizando as palavras-chave cannabinoids, therapeutic use e clinical trials, fica claro que os fitocanabinoides estão já licenciados em vários países para a terapêutica de várias patologias, algumas com forte evidência científica, e outras em que a evidência não é tão óbvia, mas mesmo assim promissora. 7-9 O tratamento das náuseas e vómitos associados à quimioterapia, como analgésicos na dor crónica, na anorexia associada à síndrome de imunodeficiência adquirida humana, dor neuropática e da espasticidade em algumas doenças neurológicas como a esclerose múltipla, ansiedade, insónia e epilepsia na idade pediátrica, doença de Parkinson, sobretudo nas formas refratárias à terapêutica convencional, são algumas das indicações terapêuticas mais documentadas e que justificam alterações do enquadramento legal para uma regulação da sua aplicação terapêutica. 10,11 Estão descritos ainda vários outros estudos que mostram potencial na utilização destes fármacos como antiespasmódicos, neuroprotetores, imunomoduladores, na doença de Alzheimer, na fibromialgia, na apneia obstrutiva do sono e também em algumas doenças oncológicas como anticancerígenos. [12][13][14] Neste artigo pretende-se discutir a perspetiva do toxicologista e da toxicologia clínica e forense da utilização terapêutica da Cannabis medicinal e dos fitocanabinoides puros.
Questões em aberto: o que é mito?A inquietude da toxicologia não é pois se os fitocanabinoides têm ou não atividade terapêutica, porque essa está mais que demonstrada. A questão também não é se o seu poder psico...