• RESUMO: Este artigo tem como objetivo principal analisar o possível papel da posse de uma língua natural na configuração de uma cognição numérica sofisticada, distintiva da espécie humana. O trabalho fornece uma introdução a uma das principais perspectivas teóricas da atualidade no que tange à conformação da cognição humana, a chamada hipótese dos sistemas nucleares (SPELKE et al., 1992;, assim como também um panorama completo e atualizado de estudos relativos à cognição numérica, incluindo resultados de uma pesquisa recente conduzida no Brasil. Assumese aqui que a língua seria responsável pela combinação das representações fornecidas por dois sistemas básicos para o processamento da numerosidade. Um desses sistemas representaria quantidades aproximadas, enquanto o outro seria responsável pela representação de numerosidades pequenas, processadas a partir da identificação em paralelo dos indivíduos. É defendida a ideia de que -no que se refere ao desenvolvimento do conceito de número, mas também de uma forma mais geral -a língua teria uma especial relevância na integração de informações, colaborando na expansão do alcance dos conceitos da criança ao possibilitar a combinação de itens do léxico associados a diferentes tipos de representações não verbais.• PALAVRAS-CHAVES: Língua. Habilidades cognitivas superiores. Sistemas de conhecimento nuclear. Cognição numérica.
introduçãoNo começo do século XX, Vygotsky considerou de forma explícita a possibilidade de que a posse de uma língua natural fosse um fator decisivo para o desenvolvimento de habilidades cognitivas superiores. Na perspectiva do psicólogo soviético, as funções mentais superiores são concebidas como um produto de atividade mediada, realizada por meio das chamadas ferramentas mentais (psychological tools) (VYGOTSKY, 1986). A noção de ferramenta mental, da qual a linguagem constitui um exemplo, é proposta como uma analogia com as ferramentas materiais que funcionam como uma mediação entre a mão que