Com o objetivo de explorar a ação ritual enquanto tal ("em si e por si", como recomenda Lévi-Strauss [1971:598]), tenho submetido meus alunos e demais participantes de um seminário que dirijo na École Pratique des Hautes Études a um algo descarnado rito de iniciação masculina, de minha própria autoria: O Vermelho e o Negro. Proponho-me aqui a descrevê-lo, sugerindo, ao mesmo tempo, certos traços recorrentes da ação ritual e, especificamente, dos ritos de iniciação (masculina).
IntroduçãoEsse experimento foi projetado para ilustrar, e fundamentar melhor, idéias que desenvolvi alhures no contexto de uma abordagem analítica particular, que chamei "relacional", da performance ritual (cf. Houseman e Severi 1998;Houseman 1993;2000;2002). Nos termos desta abordagem, o ritual é visto como atuação [enactment] de relações, sejam elas relações entre participantes humanos ou, ainda -embutidas em uma rede de laços interpessoais -, relações com entidades outras, não humanas: espíritos, deuses, ancestrais, animais, objetos, fórmulas litúrgicas e assim por diante. Na medida em que essas relações são atuadas [acted out] e não apenas referidas, elas constituem não conexões lógicas ou metafóricas entre termos ou categorias abstratas, mas experiências pessoais sustentadas por eventos intencionais e emocionalmente carregados. Todavia, as relações que as pessoas atuam no ritual são, sob vários aspectos, inusitadas. Primeiro, ao reunirem em uma única seqüência de ação aspectos extraídos de uma grande variedade de domínios (subsistência, ciclo de vida, parentesco, outros eventos cerimoniais etc.), as relações rituais reenquadram esses elementos heteróclitos como componentes in-