O feminicídio é um fenômeno decorrente da herança patriarcal machista e de estruturas sociais historicamente permeadas por relações desiguais de gênero. O objetivo desta dissertação foi analisar os aspectos epidemiológicos dos feminicídios registrados em Pernambuco, entre 2016 e 2019. Trata-se de um estudo ecológico. Como proxy dos eventos de feminicídio, foi admitido como referência o registro de homicídios e de causas indeterminadas de mortes de mulheres no Sistema de Informações sobre Mortalidade. Foi estabelecido etapas de buscas com o linkage probabilístico em bases de dados da saúde e, de forma complementar, revisões manuais em plataforma do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) e mídias noticiosas online. Realizou-se a descrição dos dados mediante a distribuição de frequências, medidas de tendência central e dispersão. Para analisar o padrão espacial das taxas de feminicídio foram utilizados o método bayesiano empírico local e o índice de autocorrelação de Moran. Aplicou-se a regressão logística hierarquizada para verificar a associação entre o feminicídio e a violência interpessoal. Empregou-se a regressão logística para estimar a razão de chances (Odds Ratio) com intervalos de confiança de 95% (IC95%). Foram localizados 490 feminicídios, o que correspondeu a uma taxa de 2,5 por 100.000 mulheres. A maior proporção de feminicídios foi identificada pela busca manual em mídias noticiosas online e na base processual do TJPE (n=247; 50,41%). As características das vítimas relevam idade entre 20 e 39 anos (n=286; 58,37%), raça/cor negra (n=400; 81,63%), sem companheiro(a) (n=407; 83,06%) e escolaridade superior a 8 anos de estudo (n=303; 61,84%). A autocorrelação espacial do evento foi confirmada pelo Índice de Moran Global das taxas suavizadas (I=0,3; p=0,001); a autocorrelação local reforça a interiorização do evento ao apontar área crítica (Q1) formada por municípios localizados na Macrorregião do Vale do São Francisco e Araripe. No nível de determinação distal, foi identificado que as seguintes variáveis elevam as chances de ocorrência do feminicídio: residir em município de pequeno porte (OR=2,10); a indisponibilidade de delegacias especializadas no atendimento à mulher (OR=1,11); e ausência de encaminhamentos para rede assistencial e protetiva na oportunidade de agressão anterior (OR=1,32). Nos determinantes intermediários, destacou-se que quanto maior é a intensidade do meio de ação empregado na prática da violência maior é a chance do desfecho fatal, ressaltando-se o uso de objeto perfurocortante (OR=3,93) e arma de fogo (OR=11,14). E, acerca dos determinantes proximais, as vítimas inseridas na faixa etária entre 10 e 19 anos apresentaram menos chance de ocorrência do feminicídio (OR=0,51). A caracterização da população de estudo pode proporcionar a ampliação dos conhecimentos sobre violência estrutural contra as mulheres, aspectos da notificação e da rede assistencial e protetiva. A análise espacial identificou a interiorização do evento e áreas de transição em Pernambuco, as quais requerem priorização de intervenções. E a modelagem evidenciou que as mulheres estão expostas à múltiplos fatores de riscos para ocorrência de feminicídio e a discussão, de modo particularizado de todos os níveis de determinação, se faz ainda mais necessária.